sábado, 22 de novembro de 2008

A chama não se apagou








Quilombo: Nome dado às comunidades que os escravos negros construíram depois de fugirem de seus trabalhos escravos no Brasil Colonial. Os quilombos abrigavam negros fugidos, índios e brancos pobres que viviam em harmonia e liberdade. O mais famoso dos quilombos – o de Palmares – localizava-se na Serra da Barriga em Alagoas, e resistiu por mais de um século tendo à frente seu grande líder ZUMBI, morto pelas bandeiras paulistas comandadas por Domingos Jorge Velho. O mito negro transformou-se em moderno símbolo brasileiro da resistência do africano à escravatura.


RIO DE JANEIRO, ANOS 1970


Em 08 de dezembro de 1975, inconformado com os rumos que as escolas de samba cursavam, o carioca ANTÔNIO CANDEIA FILHO deixou sua tradicional e querida Portela - onde questionou o gigantismo e a descaracterização de uma verdadeira escola de samba – e prevendo toda a desvalorização da cultura afro-brasileira e do samba em si na decadência das composições, aceleração do ritmo, banalização dos enredos, CANDEIA fundou juntamente com Martinho da Vila, Monarco, Nei Lopes, Wilson Moreira, Doutor e tantos outros grandes bambas o GRÊMIO RECREATIVO DE ARTE NEGRA ESCOLA DE SAMBA QUILOMBO; a escola de samba que veio para preservar a memória e as raízes do samba e da cultura afro-brasileira em sua essência. 
O Quilombo por muitos anos abriu o desfile das escolas do grupo principal do Rio de Janeiro e mesmo após a morte de Candeia o G.R.A.N.E.S. Quilombo continuou e não se corrompeu ao capitalismo do carnaval; a comunidade está viva no bairro de Acari no Rio de Janeiro.


SÃO PAULO, BAIRRO DA SAÚDE – TRÊS DÉCADAS DEPOIS


A Escola de Samba Barroca Zona Sul teve o mais jovem mestre de bateria da história do samba de São Paulo: Thiago Praxedes - Mestre Thiago - aos 21 anos, três meses antes do carnaval de 2005 assumiu a bateria da escola e fez um grande trabalho (depois de cinco carnavais a bateria da agremiação voltou a conquistar a nota 30) até que em agosto de 2006, descontente com a gestão que acabara de entrar na direção da escola, deixou o cargo. Sensibilizados, muitos de seus ritmistas seguiram-no quando assumiu a bateria do Brinco da Marquesa onde novamente fizeram um ótimo trabalho obtendo nota 30, a nota máxima. 


Pós-carnaval, Mestre Thiago deixou a escola para cuidar de sua vida pessoal. Foi quando o amigo e carnavalesco André Machado (na ocasião no G.R.C.S.E.S. Império de Casa Verde) sugeriu que eles fundassem uma “escola de samba”... A principio, Thiago ressaltou que a idéia parecia impossível pelas desilusões vividas por muitos do grupo dentro do mundo do carnaval.  Os dois procuraram então João Paulo Caumo (o Capitão, um dos diretores de bateria do time de Mestre Thiago) para discutir a idéia, ele também animou-se e aderiu à idéia; André lembra que Fernanda Rodrigues, esposa de João, riu da idéia e disse que os três eram loucos! Ela também acompanhou as dificuldades da turma de Thiago na época de Barroca... dias depois a loucura começaria a tornar-se real!
Para o dia 13 de Maio de 2007 fora marcada uma reunião na casa de André Machado, na Vila Guarani, contudo esta foi adiada e num curto tempo a idéia começou a surtir efeitos e tomar proporções reais – eram conversas nos costumeiros encontros desse pessoal sambista de coração na Avenida do Café na barraca de “churrasco do Paiva”, pai de João Paulo.
Foi depois de uma batucada no aniversário de 15 anos de Mariana (sobrinha de João Sampaio, também do time de ritmistas) que a idéia de fundar uma grande entidade foi assumida como responsabilidade à memória do samba pelo grupo o que animou de vez Thiago.


FUNDAÇÃO DO G.R.E.S. QUILOMBO


No sábado dia 07 de Julho de 2007 (07/07/07) às 11 horas da manhã, sob um sol forte regado a muita emoção e energia positiva aproximadamente 50 pessoas entre ritmistas, pesquisadores, historiadores, engenheiros, comerciantes, estudantes, profissionais de diversas áreas; pais e mães de família, mas antes de tudo, sambistas de coração compareceram à reunião de fundação do GRÊMIO RECREATIVO ESCOLA DE SAMBA QUILOMBO.


A reunião foi na casa da Família Sampaio, na Rua dos Caciques, 488 no bairro da Saúde, sob a autorização de Dona Miriam (mãe de João Sampaio) – que já temia as batucadas e os vizinhos.  E assim, os fundos do quintal ficou sendo a primeira sede social da escola. A Família Sampaio aderiu à escola visto que também são tradicionais membros de escolas de samba.


Unânime foi a opinião sobre a presidência da nova agremiação: mesmo não querendo Mestre Thiago assumiu a frente da escola. O amigo e ritmista, João Sampaio foi eleito vice-presidente.


Logo foram chegando sambistas de várias escolas, amigos, simpatizantes e uma grande família começava a formar-se: Valmir Alfeu, sobrinho do saudoso Osmar César de Carvalho (fundador da FESEC, ex-presidente da UESP e da Barroca Zona Sul) é empossado diretor de harmonia;Edna Carmo Bueno chefiou os casais de mestre-sala e porta-bandeira; o departamento socialficou sob a responsabilidade de Laudely Sampaio e o departamento feminino sob o comando de Renata Bueno, esposa de André Machado. Cláudio da Silva (Cebion), ex-diretor de harmonia da Barroca, também descontente, chega para ser o diretor de carnavalAndré Machado é nomeado carnavalesco oficial e Fernando José Prado (Noel) o responsável pelaAla MusicalRiomar Souza e Saletti Sampaio ficaram responsáveis pela chefia de alas. A ala das crianças, futuro do Quilombo, sob o comando de Renata de Melo e Juliana Sampaio.
Dona Marisa, que têm três de seus quatro filhos na bateria de Mestre Thiago, é a comandante da Ala das Baianas; à Tiago Siqueira, também filho de D. Marisa, e Humberto Alves coube a comissão de apresentação de enredo, visto que à frente do Quilombo sempre caberá a velha guarda de bambas do carnaval paulistano guardada sob a responsabilidade do fotógrafoWagner Celestino.


De grande ênfase no contexto de fundação quilombola, o departamento cultural coube aRobson FerreiraMarcos Lopes (Kinho) é o relações públicas da agremiação; Márcio da Silva(Badú), diretor de marketing e Laerte Vieiradiretor de eventos.


As finanças quilombolas ficaram sob a direção de Ricardo Demiquili e Thiago Lenci (Castor).
Lílian dos Santos foi nomeada 1ª secretária e Fernanda Rodrigues2ª secretária; depois substituída por Juliana Bueno.


Além de todos os nomes já citados, também foram importantes colaboradores para a fundação do G.R.E.S. Quilombo: Felipe Fernandes (Dog), Luís Borelli, Aquiles BorgesTaylor Igi, Claudemir Santos (Tospin), Jhonatan de Oliveira, Rodrigo Nicolisi (Digão), Edilaine Oliveira (Kuka), Gislaine Oliveira, Rodrigo Oliveira (Digo), Liliane Oliveira, Sérgio Din (Sé) e Régis Lopes que assinaram a ata de fundação da escola.


O nome da agremiação foi sugestão de Mestre Thiago em homenagem ao G.R.A.N.E.S. Quilombo de CANDEIA e à força que o nome tem em sua composição e representatividade: oG.R.E.S. QUILOMBO seria o "refúgio" e "abrigo" de sambistas de coração e surgia para reunir todos de muitas bandeiras de resistência na luta em pleno século XXI para devolver às escolas de samba suas verdadeiras raízes – a formação de um cidadão sambista e consciente à história sócio-política da formação da cultura afro-brasileira. 


As cores VERDE E BRANCO que dominaram a nova agremiação foram definidas por não haver na Zona Sul paulistana nenhuma agremiação assim definida, mas homenageiam principalmente a relevância da IMPÉRIO SERRANO, talvez hoje a única escola de samba resistente às imposições capitalistas no carnaval, mantendo suas raízes e fiel aos seus ideais culturais como o samba e o jongo – “... uma dama da alta nobreza!”. 


A agremiação carioca também foi escolhida pelo fato de ser a escola de coração da maioria dos idealizadores e apoiadores da nova agremiação. Crescido ao som dos discos de Roberto Ribeiro, Mestre Thiago é desde 2002, ritmista da Império. 


Foi o clássico “BUMBUM PATICUMBUM PRUGURUNDUM” samba-enredo da Serrinha em 1982 que inspirou o início da carreira do carioca André Machado como carnavalesco em 1987 ainda em sua terra natal, no bairro de Cavalcanti, subúrbio do Rio, pela “Em Cima da Hora”.


O símbolo da agremiação desenvolvido por André Machado é uma coroa constituída de cinco folhas de mariô (um tipo de palmeira, lembrando Palmares) com búzios, também em homenagem à IMPÉRIO SERRANO. Em suas hastes e nos arcos mais duas folhas de palmeira que lembram a resistência de Palmares e o povo escravo jogado às margens da sociedade pós a Lei Áurea em 1888 e que tempos depois virou “Rei” do carnaval mesmo em meio às dificuldades e discriminações, que perduram até hoje agravadas pelo surgimento e espantoso crescimento das“Super Escolas de Samba S/A”.


O número sete se faz presente na data de fundação da agremiação (07/07/07). São sete também os búzios visíveis na coroa; ao todo sete folhas de palmeiras, nas duas palmeiras laterais suas folhas se somadas dão 34, se somados os dois algarismos mais uma vez nos deparamos com o número sete. Acima das cinco palmeiras centrais há contas, totalizando 70: 7+0 = 7. Os raios verde e branco no pavilhão e as letras e pontos de bambú que formamG.R.E.S. Quilombo são 16: 1+6 = 7.


Simbólico no candomblé, sete é o número do orixá Ogun – o grande guardião, deus da defesa, da guerra, da luta; a convicção e a certeza. No sincretismo religioso ele é São Jorge, o santo guerreiro, e sob sua bênção e de Oxum (Nossa Senhora da Conceição) está o Quilombo, mais uma vez retomando a tradição de padroeiros para a agremiação. A subida de ritmo da bateria com características ligadas aos toques de terreiro reverencia o orixá.


Acima da coroa está o sol, símbolo da liberdade.  A coroa nos foi tirada, mas a QUILOMBO vem para devolvê-la aos seus verdadeiros reis - o POVO, e também com o intuito de "Não ser rei só na folia" como diria Candeia em “DIA DE GRAÇA”.


E assim, com fundamento na cultura base - a cultura afro - foi feito um assentamento, como no candomblé, ficando na árvore de mariô o símbolo da preservação de nossas raízes. Os caminhos e as portas estão abertos!


A escola não tem como objetivo principal a disputa do carnaval, que deturpou a simplicidade da festa. Nossa missão é defender e resgatar as raízes do samba e da cultura afro-brasileira em memória e respeito àqueles que plantaram nossas raízes no passado; valorizar os fundamentos das escolas de samba em sua essência (como a cadência do ritmo da bateria, a ala das baianas, ala de passistas – sem apelo ao comercial culto estético) inovando de uma maneira na qual a cultura não seja corrompida. Estudar, pesquisar e debater temas ligados à cultura popular brasileira e manifestações de raízes afro.


Para muitos o G.R.E.S. QUILOMBO nasceu num momento impróprio; para outros no melhor momento, principalmente para revalorizar os sambistas de São Paulo, grandes deles hoje esquecidos. Quando anunciou-se a fundação da escola, Mestre Thiago e seus companheiros foram taxados de loucos e malucos por derrepente não saberem o que estavam fazendo... mas o ideal já estava à frente de tudo!


Uma escola sem dono, sem se submeter às coisas extra-samba, sem vínculo comercial e sem deturpações! Quem impera é o samba e seus fundamentos!


Os primeiros instrumentos foram doados por Felipe Ogawa (Buda) e Marco Zanotto(Marquinho), e fazendo arrecadações aos poucos foram comprados os demais instrumentos. Com o dinheiro de arrecadações também foi confeccionado o pavilhão da agremiação e feito o registro da entidade com a seguinte descrição: GRÊMIO RECREATIVO EDUCACIONAL E SOCIAL QUILOMBO – a sigla mantém-se G.R.E.S. Quilombo.


O HINO 


Freqüentador de projetos de samba, certo dia no Samba da Vela, Mestre Thiago expôs a idéia da nova escola e, por coincidência, um dos membros que estava na roda do samba, o sambistaMaurílio de Oliveira do Grupo Quinteto em Branco e Preto cantou um samba que havia perdido no G.R.A.N.E.S. Quilombo de Candeia em 1977 num festival de samba de quadra de autoria deZé Luiz da Velha Guarda do Império Serrano, porventura samba que ele readaptou e gravou no terceiro cd do grupo.
Antes mesmo do cd ser lançado, Maurílio deu a gravação a Mestre Thiago que emocionado levou-o aos membros do G.R.E.S. Quilombo... aí estava o hino da escola cujo nome é “Manhã de Carnaval”.


A PRIMEIRA FESTA


Entre rodas de samba na sede social aos sempre aos sábados surgiu a idéia da primeira festa da agremiação. Então no dia 07 de Outubro de 2007, na sede do E.C. Moleque Travesso na Vila Guarani, o Quilombo apresentou-se para a comunidade.


Foi uma Festa do Chopp; a cerveja, bebida do orixá Ogun.


Entre as atrações o Conjunto Nossa Chama, Grupo Feitiço de Mulher e o Quinteto em Branco e Preto. Contudo, o ápice da festa foram as homenagens a grandes sambistas da velha guarda do samba de São Paulo como Mestre LagrilaMestre Tadeu e o Sr. José Antonio da Vai-VaiDona Nena do Brinco da MarquesaMestre BatucadaDona BiaTia NairValmir CachoeiraDona Maria Helena Dica da Rosas de OuroMestre Funga do Flor de LizSeu Tico dos Cabeções de Vila PrudenteZé Maria, Bernadete e Júnior do Peruche também estavam presentes, além de muitos outros grandes!


Montada a bateria Mestre Thiago anunciou a subida do ritmo, a harmonia sob o comando deValmir Alfeu e Cláudio Cebion se posicionou; departamentos feminino, social e cultural se uniram; Alécio Reis e Renan Pinto no canto, Walter Jr. ABC no violão e Clayton Campos no cavaco também se preparavam sob o comando de Fernando Noel, também acompanhando seu time no cavaco. Ismael Macumba e Jefferson Pitico nos atabaques à frente da bateria... era oCanto das Três Raças, samba gravado por Clara Nunes.


A comissão de frente com sua dança afro causou emoção; mas quando a ala das baianas chefiada por Dona Marisa entrou com a água de cheiro e defumadores, calorosos aplausos tomaram o ambiente e eis que Dona Rose entregou a Mestre Thiago a imagem do padroeiro São Jorge; os tambores rufavam! A ala musical muda o samba e agora todos cantam juntos“Pra São Jorge” gravado por Zeca Pagodinho... a emoção foi geral e eis que a bateria entra e o pavilhão da escola portado por Monalisa Bueno e Pedro é apresentado á comunidade, os sambas cantados foram “Heróis da Liberdade” do Império Serrano de 1969 e “Ao Povo em Forma de Arte” do Quilombo de Candeia de 1978, que foi gravado por Martinho da Vila, Conjunto Nosso Samba, Roberto Ribeiro, Nei Lopes e Wilson Moreira; os dois últimos autores do samba e que conseguiram assim imortalizar a obra.


Lágrimas, emoção, chopp, gente bonita de todas as idades! A primeira festa da escola reuniu mais de 1000 pessoas!... Era o surgimento do G.R.E.S. Quilombo, a bateria deu um show à parte com seus repiques e cadência inigualável, como diz Mestre Thiago a “Batucada 1000 Grau”.


OS PRIMEIROS ENSAIOS 


Passada a festa era preciso um local para os ensaios. No Moleque Travesso não foi possível; a Rua dos Caciques, localização da sede social quilombola, situa-se num bairro residencial. 
Mestre Thiago e Marcos Lopes, o Kinho, conseguiram autorização junto à prefeitura local e firmaram uma parceria com a associação de moradores do bairro da Água Funda, e num espaço público na Rua Professor Roberto Mangue s/n, o Quilombo iniciou seus ensaios. Porém, devido a problemas extras, a entidade teve que parar suas atividades por alguns dias; mesmo assim cada vez mais chegavam pessoas para participar da nova escola de samba que já era sensação nas demais agremiações da cidade de São Paulo.



QUILOMBO NO LANÇAMENTO DO CD DO CONJUNTO NOSSA CHAMA


Mestre Thiago e um grupo de 15 ritmistas apresentaram-se no lançamento do CD do Conjunto Nossa Chama no Espaço Santa Clara junto com vários artistas do mundo do samba.


QUILOMBO INVADE O CENTRO DE SÃO PAULO


O dia 20 de Novembro de 2007 não se apagará tão facilmente da memória dos componentes do Quilombo, que fora convidado pelo Movimento Negro a participar do dia da “Consciência Negra – Zumbi dos Palmares” no centro da cidade. Cerca de 200 quilombolas concentraram-se para o evento e às 17 horas Mestre Thiago armou a bateria em frente ao Teatro Municipal; as baianas e a comissão de enredo, caracterizada com trajes afro, formaram uma procissão e surpreenderam os organizadores do evento, que tinham no momento a Leandro de Itaquera apresentando-se com um grupo de 30 sambistas.
O Quilombo começou e quase não pára de tocar em protesto; a Guarda Civil pediu gentilmente que a bateria parasse e que o pessoal dispersasse, e assim voltaram todos de metrô vestidos de trajes afro... Um dia marcante.



QUILOMBO NA FEIRA PRETA 2007


O Quilombo foi a primeira escola de samba a se apresentar na “Feira Preta” do Anhembi, evento que acontece todo ano e tem participação de todos gêneros musicais afro-brasileiros da cidade de São Paulo.



QUILOMBO NA VILA GUARANI


Por ironia do destino o novo local disponibilizado pela subprefeitura para os ensaios do G.R.E.S. Quilombo foi a Praça Barão de Japurá na Vila Guarani, bairro onde residem a maioria dos componentes da escola. Então foi lá que em dezembro de 2007 e janeiro de 2008 a escola ensaiou todos os domingos à tarde reunindo famílias inteiras ao som da bateria, de sambas tradicionais e de muita harmonia.



O PRIMEIRO DESFILE


Mestre Thiago inscreve o G.R.E.S. Quilombo no “Pholia” (antigo Pholia na Faria), evento pré-carnavalesco sempre realizado uma semana antes dos desfiles oficiais das escolas de samba. Hoje o Pholia realiza-se no Memorial da América Latina, na Barra Funda – bairro do Camisa Verde e Branco e local berço do samba paulista nas décadas de 1930/ 1940.


Por sugestão de Alécio, um dos intérpretes do Quilombo, o samba de desfile foi “A Epopéia de Zumbi”, de autoria do grande sambista Nei Lopes; e sobre este enredo André Machado desenvolveu os figurinos das fantasias adequando-os às precárias condições financeiras da escola.


No dia 27 de janeiro de 2008, às 16hs45min o Pholia recebeu uma escola de samba organizada e muito empolgada, vibrante e emocionada pelo discurso de seu Presidente Mestre Thiago que chegou às lágrimas. Aquele primeiro desfile para os quilombolas não era apenas uma ‘folia de carnaval’, era a primeira grande vitória de uma comunidade perseverante que sustentou seus ideais de fundação e confiou na total dedicação daqueles que estavam à sua direção; naquele desfile o G.R.E.S. QUILOMBO conseguiu seu apogeu – desfilou a simplicidade, mas muito além de tudo curou a mudez do samba no carnaval, mostrou-se uma verdadeira escola de samba - novo Palmares do Samba Paulista!


“Hoje é manhã de carnaval (ao esplendor)
As escolas vão desfilar (bravosamente)
E aquela gente de cor
Com a imponência de um rei
Vai pisar na passarela (salve a Portela)
Vamos esquecer os desenganos (que passamos)
E ver a alegria que sonhamos (durante o ano)
E damos o nosso coração
Alegria e amor a todos sem distinção de cor
Mas depois da ilusão, coitado!
Negro volta ao humilde barracão
Negro acorda é hora de acordar
Não negue a raça
Torne toda manhã dia de graça
Negro não humilhe nem se humilhe à ninguém
Todas as raças já foram escravas também
E deixe de ser rei só na folia
E faça da sua Maria uma rainha de todos os dias
E cante samba na universidade
E verá que seu filho será
Príncipe de verdade
Aí então, jamais tu voltarás ao barracão!”
(Dia de Graça, Mestre Candeia)


“A chama não se apagou”
Grêmio Recreativo Escola de Samba Quilombo 
O Negro é a nossa inspiração. O Samba é a nossa vocação!!!”


terça-feira, 18 de novembro de 2008

Loja de instrumentos abriga a mais célebre roda de choro de São Paulo



Retirado do


RODRIGO SIQUEIRA


Bandolins estão nas prateleiras e em mãos hábeis na antiga loja



Depois de inaugurar uma pequena oficina de consertos de instrumentos musicais, em 1958, o comerciante Miguel Fasanelli, 70, aos poucos inscreveu seu nome na história da dupla de ouro da música brasileira. Não pense o desavisado que a referência o vincule diretamente aos Chitões, filhos de Franciscos e outros assemelhados da música sertaneja industrial. Trata-se de um dos maiores incentivadores da dupla samba e choro na capital paulista. 

Localizada no número 46 da rua General Osório, a duas quadras da Sala São Paulo, a loja Contemporânea Instrumentos Musicais abriga uma das mais tradicionais rodas de choro da cidade. A nona vídeo-reportagem da série Samba SP, do UOL, partiu, numa chuvosa manhã de sábado, para conferir as harmonias e melodias que vibram todas as semanas nos fundos da loja. 

Imagine-se a hipotética situação de um músico aprendiz que, nos idos da década de 1960, entrasse numa loja de instrumentos musicais para comprar uma palheta e desse de cara com uma roda de choro formada por Jacob do Bandolim, Plauto Cruz, Peri Cunha e Darci Alves (os três últimos do time que acompanhava Lupicínio Rodrigues). O resultado não poderia ser outro. Qualquer cidadão que não fosse ruim da cabeça ou dos ouvidos pararia em um canto e ficaria ali horas e horas até que vibrasse a última corda de um violão ou de um bandolim. 

Como São Paulo tem doidos, mas também tem muita gente que aprecia a boa música, o hipotético aprendiz não ficou sozinho encostado no balcão. Centenas de outros aprendizes de verdade, músicos amadores e profissionais de altissimo gabarito formam, há cerca de 40 anos, a roda de choro da Loja Contemporânea, no centro de São Paulo. Uns tocam, outros apenas escutam e apreciam. 

A roda acontece todos os sábados entre 9h e 14h. Vêem-se sobretudo pessoas de cabeleiras brancas empunhando os violões de sete cordas, os cavaquinhos, pandeiros e bandolins. Alguns são músicos profissionais, outros, diletantes. A maioria tem longa ficha corrida no choro. "A loja abre às 9h e, quando dá 8h30, já tem gente esperando na porta pra tocar", diz Fazanelli, referindo-se aos seus grisalhos contemporâneos. 

De vez em quando, costuma aparecer um jovem talento desinibido para entrar na roda e acompanhar os experientes chorões. Mas tem de ser excelente músico para encarar a peleja. "Aquele que não sabe nem encosta para tocar", conta o dono da loja. 

O público, que fica em bancos na sala dos fundos da loja, é formado por gente de todas as idades e classes sociais, mas que tem a música como interesse transversal. É comum ver até uma dezena de pessoas com os olhos fechados, absorta nos longos solos improvisados de violão e bandolim. 

Samba e choro na beira do balcão

O espaço da Contemporânea extrapola as relações comerciais de compra e venda de beirada de balcão. Desde a década de 1960, a loja é um ponto de encontro de músicos profissionais e amadores de São Paulo e de outros Estados. A capacidade de Fasanelli de construir amizades entre os músicos foi o atrativo para que a sua loja se tornasse um ponto de referência na cidade. 

No começo dos anos 1960, as escolas de samba da capital amargavam grandes dificuldades para levar o Carnaval às ruas. Os representantes das agremiações costumavam passar uma taça nas ruas de comércio para levantar dinheiro para os desfiles. Mesmo assim, as escolas não conseguiam recursos para cobrir todas as despesas. "Eles não tinham verba, encomendavam os instrumentos, mas não tinham dinheiro pra pagar. Se um instrumento custava 10 e eles tinham 2, levavam o instrumento e pagavam bem depois. E assim a gente ia ajudando." 

Frequentador da Contemporânea "há mais de 40 anos", Airton Santa Maria, membro da velha guarda da escola de samba Camisa Verde e Branco, acrescenta que "até doação de instrumento ele fazia. A gente não tinha condição e ele ia até a Barra Funda (reduto da Camisa Verde e Branco) levar os instrumentos". 

A proximidade entre os batuqueiros e Fasanelli permitiu a formação de parcerias para desenvolver novos instrumentos de percussão. "As escolas de samba saíam com instrumentos de banda, de fanfarra, era instrumento pequeno. Então a gente desenvolveu o surdo de marcação, fez o surdo `treme-terra´, que era um absurdo pra época, de tão grande", revela. 

Outros instrumentos vieram depois, como a timba. "Eu fui um dos primeiros a tocar a timba feita pelo Miguel. Eu, o Waltão e o João Parahyba, do Trio Mocotó. Na época a loja era pequenininha", lembra Luis Carlos César, músico profissional há mais de 40 anos e também frequentador da General Osório. 

O começo da roda da Contemporânea data também dos anos 1960. Enquanto Miguel ajudava os sambistas paulistanos, dava ainda guarida musical aos que chegavam de fora. "Vinham os músicos cariocas fazer show em São Paulo, mas eles não tinham onde tocar de dia. A noite acabava cedo, então eles iam dormir e de manhã vinham tocar na loja." Fasanelli orgulha-se de ter recebido várias vezes nas rodas de samba de sua loja músicos como Cartola, Nelson Cavaquinho, Clara Nunes, Silas de Oliveira e Mano Décio da Viola. 

Os chorões começaram a marcar ponto na loja pelo mesmo "problema" dos sambistas de fora de São Paulo. Quando Lupicínio Rodrigues vinha fazer shows (noturnos) na cidade, os músicos que o acompanhavam, Plauto Cruz, Peri Cunha e Darci Alves, entre outros, não tinham o que fazer durante os dias e baixavam na Contemporânea. 

Jacob do Bandolim, um dos maiores chorões que o Brasil teve, foi levado à Contemporânea por Antônio D´Auria, seu parceiro, que possuia uma loja de equipamentos de cinema na região e já frequentava a loja de Fasanelli. 

Povoada por compositores, instrumentistas, estudiosos e admiradores de música, a loja segue a alimentar os acordes harmônicos e o bater do pandeiro que atrai e enlaça as pessoas em torno das cordas dos bandolins e violões. Jamil Karan, que ostenta cabelos brancos e uma paixão pela música dignas da roda da rua General Osório diz que a freqüenta há 12 anos. "Eu fiquei sabendo por um amigo que tinha essa roda aqui e passei a vir todos os sábados", diz Karan. Paulo Cerantula, que comparece na roda há 8 anos, diz que descobriu a Contemporânea por um atributo nato dos chorões. "O chorão sempre sabe onde tem um bom choro, e onde tiver ele vai estar lá". 

Dona Inah, que estreou em disco aos 69 anos e venceu o prêmio Tim de Música 2005 como revelação, aos 70, se diz atraída pela boa música da Contemporânea há mais de 10 anos. Aliás, música com a qual contribui. Com um "sete-cordas" na mão, o sr. Karan pergunta à reportagem: "está gravando? Então grave aí que esta é a melhor cantora do Brasil". 

E ela põe-se a cantar: "Todo verso triste que eu puser numa canção / é o meu coração que chora / E eu fiquei assim quando você / Sem dizer adeus foi indo embora / Pela minha voz e meu olhar todos verão / Como vivo triste agora / E eu não posso mais com a minha dor / Porque qualquer canção de amor / Me dá vontade de chorar." 


Roda de Samba e Choro


Todos os sábados das 9h às 14 horas - Grátis 
Rua General Osório, nº 46 - Luz - Centro de São Paulo



quarta-feira, 12 de novembro de 2008

CARNAVAL BRASILEIRO: PEQUENO HISTÓRICO





Retirado do



Olga de Morais Vosinson

Historiadora 



Considerada hoje a maior manifestação cultural do Brasil, o Carnaval teve o seu início bem diferente do grande teatro que vemos atualmente.  Espetáculo de luxo e grandeza, essa festa, rica em conceitos e tradições, foi se comercializando e profissionalizando cada vez mais, até se transformar no que podemos definir hoje como: “um grande show para ‘gringo’ ver”.


Três são as fases que definem o Carnaval no Brasil.  Cada uma delas tem suas características marcantes e refletem toda uma condição social, moral e econômica que retratam bem a sua época.


A origem da festa popular se dá no período colonial brasileiro e podemos determinar seu término ou mudança, a partir de 1.850.  Esta é sua primeira fase.  Trazida por imigrantes portugueses e denominada “Entrudo”, era quase uma brincadeira infantil onde água, perfumes, farinha, graxa e pós-coloridos eram disparados, dentro de limões ou laranjas de cera ou ainda de seringas e bisnagas, contra todo e qualquer cidadão que estivesse trafegando pelas ruas.  Como toda manifestação de rua que envolve certas camadas da sociedade da época, ela também podia se tornar uma válvula de escape para alguns grupos e se tornar violenta e cruel, atingindo, principalmente, as classes menos favorecidas e em especial aos negros e mulatos.


Neste período da História do Carnaval, alguns pontos ficam muito nítidos com relação a discriminação racial e social que imperava na época.  Na maior parte das festas religiosas, como a Festa do divino ou na coroação de Nossa Senhora, a miscigenação de raças e classes era mais tolerada e até incentivada.  Vislumbra-se as diferenças sociais apenas na passagem das procissões ou lugares de honra nas igrejas.  Já nos folguedos profanos, onde na época imperavam as brincadeiras juninas de paus-de-sebo, fogueiras, quadrilhas e cateretês, essa  discrepância de classes e cor era bem significante e definia o papel de cada participante durante a festa.  No “Entrudo” não era diferente.  A maioria dos participantes eram imigrantes que viviam na cidade, conseqüentemente brancos, de condição socioeconômica mais bem situada e que só se relacionavam os seus pares.  Os negros participavam de modo passivo nas manifestações como auxiliares dos senhores brancos ou como vítimas preferidas dos folguedos.


Assim como na religião, esta discriminação não impediu que os negros e mulatos começassem a criar seu próprio Carnaval.  Usando água dos chafarizes e fontes, e, aproveitando a calada da noite, se divertiam com as brincadeiras dos brancos de maneira mais ingênua e lúdica e delineavam novos territórios, onde o folguedo foi se tornando cada vez mais forte e popular.


Com o liberalismo que imperava na sociedade no período de D. Pedro II, o florescimento dos barões do café e o contato maior entre as cortes brasileiras e européias, os modismos dos burgueses do velho continente são trazidos ao Brasil.  A festa de Momo se modifica e com isso nasce um novo período que permanece até o final de 1.920 e embriona o que mais tarde se definirá como o Carnaval de Rua que teve seu apogeu nos anos 40 e 50.


Motivado pelos Carnavais Venezianos, o Rio de Janeiro introduz o luxo nas festividades e a cidade assiste aos primeiros bailes de máscaras e desfiles de carruagens, ricamente decoradas pelas ruas da província.  Às classes sociais mais baixas e conseqüentemente os negros, cabe o papel de espectador passivo ao longo das Alamedas e salões onde o novo Carnaval era realizado.


O “Entrudo” que passa a ser considerado folguedo de pobres, negros e marginais começa a ser perseguido pela milícia e se retira dos centros urbanos em direção às zonas mais afastadas.  A população carente só possui duas opções: ou serve de público para os desfiles burgueses ou arrisca ser preso, por se divertir dentro de um folguedo mais próximo da sua realidade.


Dionísio Barbosa, cafuzo e filho de um dançador de caiapó que morou no Rio, durante alguns anos, junto com a população negra da cidade de São Paulo que se sentia excluída da Festa de Momo e não queria participar apenas como espectador da farra das elites, fundou o primeiro Cordão Carnavalesco Paulista, o Grupo Carnavalesco da Barra Funda que mais tarde se chamou “CAMISA VERDE E BRANCO”, vestimenta que sempre caracteriza seus participantes.


Nem a burocracia da época, nem as intervenções não muito educadas dos policiais, impediram que a “CAMISA VERDE E BRANCO” fizesse seus desfiles, nem que para isso tivesse que cumprir o ritual de passar pelos principais pontos ocupados pela milícia de São Paulo, políticos e é claro o Pátio do Colégio.  No princípio, com setenta ou oitenta participantes, as Escolas de Samba começaram timidamente a ocupar seu espaço e direito nos Carnavais Paulistanos.  Por conta das diversidades das Agremiações, seu espaço e direito nos Carnavais Paulistanos.  Por conta das diversidades das Agremiações, assim como os times de futebol neste final de século, por vezes os foliões se atracavam de maneira truculenta e eram reprimidos pela polícia e ameaçados de não poderem mais ocupar as ruas, mas isso não impediu que o Carnaval Paulista crescesse e expandisse sua participação além dos dias da folia de Momo.  Como as Rodas de Samba eram mal vista e reprimidas fora do período do Carnaval, muitos sambistas se reunião as escondidas e por vezes tinham que sair correndo para não serem presos.


Saindo do Bexiga, Barra Funda e Baixada do Glicério, redutos da população negra e mais carente da cidade industrial, os Blocos Carnavalescos procuravam sempre as avenidas mais movimentadas para se abrigarem da fúria dos policiais e se divertirem.  A Avenida Paulista era sempre a mais disputada, mas seu centro era ocupado pelos carros de magnatas que desfilavam a pompa e suas famílias empoadas.  A plebe permanecia nas calçadas apreciando o espetáculo.  Já no centro antigo de São Paulo é que a farra era liberada noite a fora e os foliões se misturavam com liberdade e a “benção” dos delegados.


Os salões de baile das periferias também eram muito receptivos aos Cordões e quando invadidos pelos Blocos, as orquestras homenageavam seus visitantes até altas horas da madrugada.  Vale frisar que estes locais eram freqüentados, principalmente, por negros e mulatos, pois os brancos permaneciam nos seus carnavais de salão e hotéis nobres da cidade.  Não havia ainda um espaço destinado aos “Desfiles” da época, e, os órgãos públicos e a Prefeitura não destinavam verbas para o evento, por isso a tradicional coleta de contribuições financeiras, feitas até hoje por alguns Blocos, entre os passantes das avenidas movimentadas.


A relação de sambistas e a polícia sempre foi um pouco tumultuada.  Temas políticos e de crítica social eram rechaçados pela milícia e os foliões dispersados sob cacetetes.  Várias cenas de violência e vandalismo também contribuíam para a piora da situação, como o incêndio de um veículo causado pela Unidos da Galvão Bueno por causa do atropelamento de uma criança durante um dos desfiles, mas com a criação de regras e espaços para os sambistas e os desfiles, estas diferenças foram sendo minimizadas e corrigidas.


Um personagem é muito respeitado por toda a comunidade do samba do Rio e se destaca em toda a história do Carnaval Paulista. Todos os méritos do reconhecimento e oficialização dos desfiles carnavalescos se devem a um senhor simpático e sorridente que leva o apelido carinhoso de Nenê da Vila Matilde.  Ele vive no bairro de Vila Matilde, zona leste de São Paulo.  Com muita garra e perseverança conquistou seu espaço nas ruas da Vila Esperança e tirou os espanhóis.


Muitos fatos pitorescos fazem parte da história deste homem e sua agremiação e como numa roda de amigos ou melhor de samba, lembramos algumas passagens que deixaram marcas nos foliões e cabrochas deste e de outros carnavais.


Freqüentador dos bailes de gafieiras em todos os bairros espalhados pela cidade, o Seu Nenê da Vila Matilde e os outros diretores da Agremiação conquistaram novos amigos e simpatizantes que se deslocavam de todos os pontos para assistirem aos ensaios e saírem nas folias da “ESCOLA DE SAMBA NENÊ DE VILA MATILDE”.  Os clubes da região que no princípio ajudavam até financeiramente a Escola de Samba, Ressentiram-se e ficaram enciumados com o sucesso e perceberam que a quadra, que havia sido cedida por alguns comerciantes do lugar, se tornara um concorrente muito forte para seus bailes e começaram a boicotar os membros da Escola.  Os bares e comerciantes que financiavam os desfiles  exigiam que os passistas cruzassem as frentes de suas lojas e bares, isso fazia com que o trajeto fosse longo, sinuoso e cansativo.  O Seu Nenê da Vila Matilde rompeu com este acordo e isso gerou um corte total do apoio financeiro à Agremiação.


Despejados, os carnavalescos ensaiavam nas ruas e guardavam seus instrumentos na casa do Seu Nenê da Vila Matilde.  Nos tempos difíceis, todas as esposas e parentes dos dirigentes colaboravam vendendo seus pertences, utensílios domésticos para pagar as folias de Momo.  Tudo para manter a Escola de Samba e continuarem com o sonho do mesmo.


Com o crescimento de outras Agremiações, houve necessidade da criação de uma Federação das Escolas de Samba participantes do Carnaval Paulista.  Ajudado por Moraes Sarmento, um radialista famoso da época, Seu Nenê da Vila Matilde  conseguiu reunir os diretores de quase todas as Escolas de Samba e Blocos Carnavalescos para fundarem tal Federação que conseguiu, pela primeira vez, o apoio de órgãos públicos e da Prefeitura do Município de São Paulo.


Com raízes no samba carioca Seu Nenê da Vila Matilde introduziu, sem muita dificuldade, as batidas do samba de morro na sua Escola de Samba e conquistou o público paulista.  Achando que o segredo do sucesso dos desfiles estava na organização das Escolas de Samba cariocas, ele convenceu o Prefeito, na época Faria Lima, a trazer para São Paulo o seus desfiles e descobrir maneiras para aperfeiçoar o Carnaval Paulistano.


Ainda sem quadra, durante o final da década de 60, anos tumultuados politicamente no Brasil, os carnavalescos ocupavam as ruas do bairro para seus ensaios.  Vários incidentes violentos prejudicaram a fama da Escola.  Incêndios, brigas e ocupações ilegais de terrenos resultaram na construção, em alvenaria, de uma pequena quadra para a comunidade, no lugar em que seria construída uma praça.


Vencedor de vários carnavais, Seu Nenê da Vila Matilde sempre fez questão de manter as tradições do Carnaval bem feito e de raça.  Depois da década de 70, o Carnaval Paulista passou a ser tratado como espetáculo de consumo e perdeu algumas de suas características mais fortes e ricas.  Lutando contra a “pasteurização” do Samba  de RuaSeu Nenê da Vila Matilde enfrentou “roubos” de sua bateria por outras Escolas de Samba, dissidências de diretores e até dificuldades financeiras, mas conseguiu superar tudo e mantêm a Escola de Samba “NENÊ DA VILA MATILDE” entre as melhores do Brasil.


Atualmente a direção da Agremiação se preocupa em estabelecer um contato maior com a comunidade.  Creches, escolas de artesanato e técnicas mantêm as crianças longe das ruas e participantes da vida da Escola de Samba.


Nosso Carnaval tem se profissionalizado, mas lutaremos para que ele não perca suas raízes e se mantenha fiel ao seu propósito de divertir e divulgar a cultura rica que este país possui.


Com a falta de criatividade que imperava nos Carnavais “dos brancos” que só adaptaram os padrões visuais europeus para os folguedos, sem se importar com ritmos, música e o aspecto cultural da manifestação, uma nova visão de atividade festiva foi se criando nas camadas mais populares e tomou mais forma e força nos subúrbios da Capital Federal.


Com o banimento das danças dos Caiapós – mistura de negros e índios que se manifestavam nas festividades religiosas e procissões coloniais, com danças e música cheias de percussão e coreografia elaborada – as camadas mais pobres da população buscaram alternativas novas criando formas de expressão como os Zé Pereira; os Cordões Carnavalescos que misturavam Maracatus, Afoxés, Fandangos, Cheganças e Cabocolinhos, espelhos das culturas africanas e indígenas no Brasil; os ranchos que vinham dos pastoris, taieiras baianos e os primeiros Blocos Carnavalescos que deram origem às Escolas de Samba.


Enquanto a elite se preocupava em contratar artesões, artistas e artífices de todas as modalidades para a construção de carros alegóricos, cada vez mais luxuosos e acompanharem seus desfiles e bailes com bandas militares, o povo se organizava através de experiências dos migrantes baianos, em ranchos e cordões que escolhiam um tema e organizavam todo o desfile adaptando figurino, ritmo e música à proposta escolhida.


A terceira e última fase que definem o Carnaval Popular, como é hoje conhecido, começa no final dos anos 20 com a ajuda dos meios de comunicação, principalmente o rádio que tira os ranchos e cordões dos subúrbios e trás à avenida a alegria e musicalidade dos Blocos Carnavalescos.


Na década de 30, a indústria fonográfica brasileira tirou o “malandro” do morro e transformou sua música em grande sucesso comercial.  Os moradores do Estácio e do Mangue foram para a avenida e deram um novo formato à festa de Momo, misturando as alegorias dos brancos com a sonoridade negra da música.  Com a evolução dos Blocos Carnavalescos, transformando-se em Escolas de Samba a exploração comercial da festa teve um impulso e a manifestação foi transformada em produto de consumo para todas as regiões brasileiras e para o público estrangeiro.


O preço pago por esta transformação, de certa maneira foi muito alto.  A espontaneidade do povo durante a festa lúdica foi sendo perdida aos poucos.  Exigências como só ter temas nacionais, seguir regulamentos criados pelo poder público, a competição por um lugar entre as “Campeãs” com a ameaça de rebaixamento de grupo, o uso de artigos cada vez mais suntuosos nas fantasias e carros alegóricos, além da contagem de tempo e do excesso de participantes das grandes Escolas de Samba, tornou o Carnaval um verdadeiro caça níqueis.


Com o Carnaval Paulistano não foi muito diferente.  Fugindo de suas origens, baseada nos cordões, adotamos o padrão carioca de desfile e incorporamos todas as regras e penalizações que regem este folguedo.  O sentido lúdico e de confraternização do princípio, cede lugar ao único objetivo de vencer a disputa pelo primeiro lugar e Ter direito à verba do Estado para o próximo ano.


Mas o outro lado da moeda também existe.  As Agremiações carnavalescas são hoje empresas com administrações próprias, geram lucros e até participam da vida social da região onde foram geradas, construindo creches, dando emprego a centenas de pessoas, participando do desenvolvimento sociocultural da comunidade.

 


quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Carlão do Peruche conta a história do samba de São Paulo



Retirado do 


POR RODRIGO SIQUEIRA


Em 4 de janeiro de 2006, o Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Unidos do Peruche completou 50 anos de existência. Um dos fundadores da escola, na zona norte da cidade, é um batalhador pelo samba e pelas tradições afrodescendentes de São Paulo. Ele foi registrado como Carlos Alberto Caetano, 75, mas é conhecido como o Carlão da Peruche.


Carlão do Peruche conta a história dos primórdios do samba em SP


Além de ser um personagem importante da história do samba paulista, condecorado embaixador do samba pela União das Escolas de Samba de São Paulo, Carlão é um exímio contador de histórias. Como um griô (poeta, cantor, músico e mago africano), ele carrega consigo a sabedoria de quem muito viveu e aprendeu com os mais velhos. 

Para a quinta vídeo-reportagem da série Samba SP, do UOL, o faz-tudo aqui assinado fez também questão de subir a rua Zilda até o alto da Casa Verde para buscar seu Carlão em casa. Negro, esguio, e aparentando muito menos que os 75 que tem, ele saiu de casa ligeiro, ainda mastigando o almoço, e, antes de tudo, desculpou-se pelo atraso de 15 minutos (que, acredite-se, não existiu). "Estava ajudando a resolver os sapatos das mulheres. Eu achei que tava tudo pronto e, quando fui ver, tava tudo atrasado. E o Carnaval já está aí". 

No caminho para a quadra da Peruche, já se pode entender um pouco do espírito aguerrido de seu Carlão. "Se uns 30 anos pra trás, ou 40, falasse que chegaríamos a este estágio, iam dizer que era uma utopia. Já são 50 anos." 

A iniciação musical do então garoto Carlos Caetano foi no jongo, em Pirapora do Bom Jesus, a 54 km da capital. Filho de pais religiosos, ele ia com a família para a festa que lá ocorre todos os anos, no dia 6 de agosto. Enquanto a mãe ia para a igreja, seu pai o levava para um barracão onde tinha jongo, uma forma de samba rural comum no interior do Estado de São Paulo, Rio e na zonda da mata mineira. 


"Os homens ficavam pra um lado e as mulheres pro outro, e tinha o pai do samba, que tocava um bumbão grande (chamado tambu, no interior de São Paulo). Pra cantar tinha que pôr a mão no bumbo e pedir a autorização do pai do samba. Então podia cantar: ´em Tietê, fizeram cadeia nova, em Tietê, fizeram cadeia nova. Mariazinha, coitadinha criminosa. Mariazinha, coitadinha criminosa.` Eu me lembro quando eu botei a mão no bumbo pela primeira vez." , conta e canta Carlão em sua destreza forjada na tradição narrativa oral.

Ao ouvir Carlão contar histórias e cantar com voz e melodia apuradíssimas, torna-se difícil compreender por que a classe média paulistana paga ingresso para ver a velha guarda do Rio de Janeiro, compra disco de samba carioca e até desce ao litoral para freqüentar ensaios das escolas de samba cariocas, mas não é capaz de atravessar a Ponte do Limão para conhecer a profícua produção paulistana. Na região da Barra Funda e Casa Verde (sem contar as outras escolas espalhadas pela cidade), há diversas escolas com sambas e sambistas dignos de nota.

Carlão não só fundou a Peruche como militou e milita pela tradição do samba paulista. "O andamento do samba era mais lento. A batida veio do jongo, não isso que a gente vê na avenida. Hoje as escolas não desfilam. Isso aí é uma grande procissão", diz. 

A Peruche já nasceu, em 1956, como escola de samba, ao contrário de outras agremiações paulistanas que são derivadas dos cordões carnavalescos. Mas Carlão destaca que os cordões sempre representaram melhor as tradições do samba paulista. Nos cordões, a batida forte e de sonoridade grave, herdada dos bumbos e tambus do jongo e dos outros batuques rurais paulistas estavam muito mais presentes. 

A descaracterização desse samba tradicional dos cordões tem razões várias. Um dos motivos é que o samba martelado pelas rádios de abrangência nacional, mesmo as com sede em São Paulo, assim como as a indústria do disco eram, em maioria, do Rio de Janeiro.

O carnaval do tempo do bonde e dos cordões acabou mais ou menos na mesma época. Uma grande contribuição veio do bem intencionado Faria Lima. O prefeito com fama de bom administrador e "obreiro" (fez, na capital, 51 pontes e viadutos, construiu os 45 km das marginais do rio Tietê e iniciou as obras do metrô) conduziu o último bonde em 1968, ano em que teve uma lendária reunião com representantes do Carnaval de São Paulo. 

Nessa reunião, estavam presentes vários dos grandes batalhadores do samba paulista, entre eles seu Nenê da Vila Matilde, Pé Rachado, o radialista Evaristo de Carvalho, Mala da Acadêmicos do Tatuapé, Xangô da Vila Maria, a madrinha Eunice da Lava Pés e também o Carlão da Peruche. "Nessa situação eu passei uma das maiores vergonhas da minha vida", revela Carlão. 

Depois de "levar canseira" de vários prefeitos nos anos anteriores, eles marcaram uma audiência com o prefeito Faria Lima, que era carioca. Pelas falsas promessas anteriores, não levaram nada, nenhum planejamento para o Carnaval, calejados que estavam. Chegaram descrentes, mas acabaram sendo bem recebidos pelo adminsitrador. O prefeito ouviu as reivindicações dos sambistas e acrescentou que era do ramo e saía na Mangueira. 

Carlão conta que virou para o Mala do Tatuapé, que estava ao seu lado, e sussurrrou: "Olha, ele está querendo ser elegante com a gente, do mundo do samba, falando que sai na Mangueira. Isso não vai dar em nada". Ao fim da reunião, o prefeito disse que pensaria no assunto e pediu aos sambistas que levassem um planejamento.

Eles correram, fizeram todo o levantamento de estrutura e custos e, na semana seguinte, levaram para apresentar ao prefeito.

Ao ver o planejamento e os custos do Carnaval, o prefeito perguntou: "é só isso que vai custar para mim? Vamos fazer o Carnaval." Mas a surpresa e a vergonha de Carlão da Peruche veio quando ele soube que o prefeito havia lido seus lábios na reunião anterior quando comentara com Mala sobre a suposta "elegância" do prefeito carioca . 

O prefeito Faria Lima enfiou a mão no bolso, sacou uma carteirinha da Mangueira e o apresentou na frente de todos na mesa de reuniões: "Olha seu moço, eu saio na Mangueira". E Carlão confessa, enfático, "a minha cara queimou, viu? Foi uma das maiores vergonhas que eu passei na minha vida. De negro, branco não, mas acho que eu fiquei cinza de tanta vergonha. Ele não tava fazendo média." 

Mas, como as boas intenções de políticos não necessariamente dão bons resultados, a oficialização do desfile das escolas de samba de São Paulo trouxe um grande ônus cultural. A prefeitura do mangueirense Faria Lima importou do Rio o regulamento do desfile das escolas de samba de lá. As novidades acabaram por forçar, em 1972, a derradeira transformação dos cordões carnavalescos em escolas de samba. Os últimos cordões que resistiam eram o Vai Vai e o Camisa Verde e Branco. Foram-se então os cordões junto com os bondes, pilotados pelo finado Faria Lima.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

"Sambexplícito - as vidas desvairadas de Germano Mathias"

Resolvi anexar logo o e-mail do grande Caio:



Olá,

 

Segue anexo o convite do lançamento do meu livro "Sambexplícito - as vidas desvairadas de Germano Mathias", que não só trata do malandro, como também conta muitas outras histórias.

Eu e o próprio Germano ficaremos imensamente felizes com a sua presença!


Abraço carinhoso,


Caio