quarta-feira, 12 de novembro de 2008

CARNAVAL BRASILEIRO: PEQUENO HISTÓRICO





Retirado do



Olga de Morais Vosinson

Historiadora 



Considerada hoje a maior manifestação cultural do Brasil, o Carnaval teve o seu início bem diferente do grande teatro que vemos atualmente.  Espetáculo de luxo e grandeza, essa festa, rica em conceitos e tradições, foi se comercializando e profissionalizando cada vez mais, até se transformar no que podemos definir hoje como: “um grande show para ‘gringo’ ver”.


Três são as fases que definem o Carnaval no Brasil.  Cada uma delas tem suas características marcantes e refletem toda uma condição social, moral e econômica que retratam bem a sua época.


A origem da festa popular se dá no período colonial brasileiro e podemos determinar seu término ou mudança, a partir de 1.850.  Esta é sua primeira fase.  Trazida por imigrantes portugueses e denominada “Entrudo”, era quase uma brincadeira infantil onde água, perfumes, farinha, graxa e pós-coloridos eram disparados, dentro de limões ou laranjas de cera ou ainda de seringas e bisnagas, contra todo e qualquer cidadão que estivesse trafegando pelas ruas.  Como toda manifestação de rua que envolve certas camadas da sociedade da época, ela também podia se tornar uma válvula de escape para alguns grupos e se tornar violenta e cruel, atingindo, principalmente, as classes menos favorecidas e em especial aos negros e mulatos.


Neste período da História do Carnaval, alguns pontos ficam muito nítidos com relação a discriminação racial e social que imperava na época.  Na maior parte das festas religiosas, como a Festa do divino ou na coroação de Nossa Senhora, a miscigenação de raças e classes era mais tolerada e até incentivada.  Vislumbra-se as diferenças sociais apenas na passagem das procissões ou lugares de honra nas igrejas.  Já nos folguedos profanos, onde na época imperavam as brincadeiras juninas de paus-de-sebo, fogueiras, quadrilhas e cateretês, essa  discrepância de classes e cor era bem significante e definia o papel de cada participante durante a festa.  No “Entrudo” não era diferente.  A maioria dos participantes eram imigrantes que viviam na cidade, conseqüentemente brancos, de condição socioeconômica mais bem situada e que só se relacionavam os seus pares.  Os negros participavam de modo passivo nas manifestações como auxiliares dos senhores brancos ou como vítimas preferidas dos folguedos.


Assim como na religião, esta discriminação não impediu que os negros e mulatos começassem a criar seu próprio Carnaval.  Usando água dos chafarizes e fontes, e, aproveitando a calada da noite, se divertiam com as brincadeiras dos brancos de maneira mais ingênua e lúdica e delineavam novos territórios, onde o folguedo foi se tornando cada vez mais forte e popular.


Com o liberalismo que imperava na sociedade no período de D. Pedro II, o florescimento dos barões do café e o contato maior entre as cortes brasileiras e européias, os modismos dos burgueses do velho continente são trazidos ao Brasil.  A festa de Momo se modifica e com isso nasce um novo período que permanece até o final de 1.920 e embriona o que mais tarde se definirá como o Carnaval de Rua que teve seu apogeu nos anos 40 e 50.


Motivado pelos Carnavais Venezianos, o Rio de Janeiro introduz o luxo nas festividades e a cidade assiste aos primeiros bailes de máscaras e desfiles de carruagens, ricamente decoradas pelas ruas da província.  Às classes sociais mais baixas e conseqüentemente os negros, cabe o papel de espectador passivo ao longo das Alamedas e salões onde o novo Carnaval era realizado.


O “Entrudo” que passa a ser considerado folguedo de pobres, negros e marginais começa a ser perseguido pela milícia e se retira dos centros urbanos em direção às zonas mais afastadas.  A população carente só possui duas opções: ou serve de público para os desfiles burgueses ou arrisca ser preso, por se divertir dentro de um folguedo mais próximo da sua realidade.


Dionísio Barbosa, cafuzo e filho de um dançador de caiapó que morou no Rio, durante alguns anos, junto com a população negra da cidade de São Paulo que se sentia excluída da Festa de Momo e não queria participar apenas como espectador da farra das elites, fundou o primeiro Cordão Carnavalesco Paulista, o Grupo Carnavalesco da Barra Funda que mais tarde se chamou “CAMISA VERDE E BRANCO”, vestimenta que sempre caracteriza seus participantes.


Nem a burocracia da época, nem as intervenções não muito educadas dos policiais, impediram que a “CAMISA VERDE E BRANCO” fizesse seus desfiles, nem que para isso tivesse que cumprir o ritual de passar pelos principais pontos ocupados pela milícia de São Paulo, políticos e é claro o Pátio do Colégio.  No princípio, com setenta ou oitenta participantes, as Escolas de Samba começaram timidamente a ocupar seu espaço e direito nos Carnavais Paulistanos.  Por conta das diversidades das Agremiações, seu espaço e direito nos Carnavais Paulistanos.  Por conta das diversidades das Agremiações, assim como os times de futebol neste final de século, por vezes os foliões se atracavam de maneira truculenta e eram reprimidos pela polícia e ameaçados de não poderem mais ocupar as ruas, mas isso não impediu que o Carnaval Paulista crescesse e expandisse sua participação além dos dias da folia de Momo.  Como as Rodas de Samba eram mal vista e reprimidas fora do período do Carnaval, muitos sambistas se reunião as escondidas e por vezes tinham que sair correndo para não serem presos.


Saindo do Bexiga, Barra Funda e Baixada do Glicério, redutos da população negra e mais carente da cidade industrial, os Blocos Carnavalescos procuravam sempre as avenidas mais movimentadas para se abrigarem da fúria dos policiais e se divertirem.  A Avenida Paulista era sempre a mais disputada, mas seu centro era ocupado pelos carros de magnatas que desfilavam a pompa e suas famílias empoadas.  A plebe permanecia nas calçadas apreciando o espetáculo.  Já no centro antigo de São Paulo é que a farra era liberada noite a fora e os foliões se misturavam com liberdade e a “benção” dos delegados.


Os salões de baile das periferias também eram muito receptivos aos Cordões e quando invadidos pelos Blocos, as orquestras homenageavam seus visitantes até altas horas da madrugada.  Vale frisar que estes locais eram freqüentados, principalmente, por negros e mulatos, pois os brancos permaneciam nos seus carnavais de salão e hotéis nobres da cidade.  Não havia ainda um espaço destinado aos “Desfiles” da época, e, os órgãos públicos e a Prefeitura não destinavam verbas para o evento, por isso a tradicional coleta de contribuições financeiras, feitas até hoje por alguns Blocos, entre os passantes das avenidas movimentadas.


A relação de sambistas e a polícia sempre foi um pouco tumultuada.  Temas políticos e de crítica social eram rechaçados pela milícia e os foliões dispersados sob cacetetes.  Várias cenas de violência e vandalismo também contribuíam para a piora da situação, como o incêndio de um veículo causado pela Unidos da Galvão Bueno por causa do atropelamento de uma criança durante um dos desfiles, mas com a criação de regras e espaços para os sambistas e os desfiles, estas diferenças foram sendo minimizadas e corrigidas.


Um personagem é muito respeitado por toda a comunidade do samba do Rio e se destaca em toda a história do Carnaval Paulista. Todos os méritos do reconhecimento e oficialização dos desfiles carnavalescos se devem a um senhor simpático e sorridente que leva o apelido carinhoso de Nenê da Vila Matilde.  Ele vive no bairro de Vila Matilde, zona leste de São Paulo.  Com muita garra e perseverança conquistou seu espaço nas ruas da Vila Esperança e tirou os espanhóis.


Muitos fatos pitorescos fazem parte da história deste homem e sua agremiação e como numa roda de amigos ou melhor de samba, lembramos algumas passagens que deixaram marcas nos foliões e cabrochas deste e de outros carnavais.


Freqüentador dos bailes de gafieiras em todos os bairros espalhados pela cidade, o Seu Nenê da Vila Matilde e os outros diretores da Agremiação conquistaram novos amigos e simpatizantes que se deslocavam de todos os pontos para assistirem aos ensaios e saírem nas folias da “ESCOLA DE SAMBA NENÊ DE VILA MATILDE”.  Os clubes da região que no princípio ajudavam até financeiramente a Escola de Samba, Ressentiram-se e ficaram enciumados com o sucesso e perceberam que a quadra, que havia sido cedida por alguns comerciantes do lugar, se tornara um concorrente muito forte para seus bailes e começaram a boicotar os membros da Escola.  Os bares e comerciantes que financiavam os desfiles  exigiam que os passistas cruzassem as frentes de suas lojas e bares, isso fazia com que o trajeto fosse longo, sinuoso e cansativo.  O Seu Nenê da Vila Matilde rompeu com este acordo e isso gerou um corte total do apoio financeiro à Agremiação.


Despejados, os carnavalescos ensaiavam nas ruas e guardavam seus instrumentos na casa do Seu Nenê da Vila Matilde.  Nos tempos difíceis, todas as esposas e parentes dos dirigentes colaboravam vendendo seus pertences, utensílios domésticos para pagar as folias de Momo.  Tudo para manter a Escola de Samba e continuarem com o sonho do mesmo.


Com o crescimento de outras Agremiações, houve necessidade da criação de uma Federação das Escolas de Samba participantes do Carnaval Paulista.  Ajudado por Moraes Sarmento, um radialista famoso da época, Seu Nenê da Vila Matilde  conseguiu reunir os diretores de quase todas as Escolas de Samba e Blocos Carnavalescos para fundarem tal Federação que conseguiu, pela primeira vez, o apoio de órgãos públicos e da Prefeitura do Município de São Paulo.


Com raízes no samba carioca Seu Nenê da Vila Matilde introduziu, sem muita dificuldade, as batidas do samba de morro na sua Escola de Samba e conquistou o público paulista.  Achando que o segredo do sucesso dos desfiles estava na organização das Escolas de Samba cariocas, ele convenceu o Prefeito, na época Faria Lima, a trazer para São Paulo o seus desfiles e descobrir maneiras para aperfeiçoar o Carnaval Paulistano.


Ainda sem quadra, durante o final da década de 60, anos tumultuados politicamente no Brasil, os carnavalescos ocupavam as ruas do bairro para seus ensaios.  Vários incidentes violentos prejudicaram a fama da Escola.  Incêndios, brigas e ocupações ilegais de terrenos resultaram na construção, em alvenaria, de uma pequena quadra para a comunidade, no lugar em que seria construída uma praça.


Vencedor de vários carnavais, Seu Nenê da Vila Matilde sempre fez questão de manter as tradições do Carnaval bem feito e de raça.  Depois da década de 70, o Carnaval Paulista passou a ser tratado como espetáculo de consumo e perdeu algumas de suas características mais fortes e ricas.  Lutando contra a “pasteurização” do Samba  de RuaSeu Nenê da Vila Matilde enfrentou “roubos” de sua bateria por outras Escolas de Samba, dissidências de diretores e até dificuldades financeiras, mas conseguiu superar tudo e mantêm a Escola de Samba “NENÊ DA VILA MATILDE” entre as melhores do Brasil.


Atualmente a direção da Agremiação se preocupa em estabelecer um contato maior com a comunidade.  Creches, escolas de artesanato e técnicas mantêm as crianças longe das ruas e participantes da vida da Escola de Samba.


Nosso Carnaval tem se profissionalizado, mas lutaremos para que ele não perca suas raízes e se mantenha fiel ao seu propósito de divertir e divulgar a cultura rica que este país possui.


Com a falta de criatividade que imperava nos Carnavais “dos brancos” que só adaptaram os padrões visuais europeus para os folguedos, sem se importar com ritmos, música e o aspecto cultural da manifestação, uma nova visão de atividade festiva foi se criando nas camadas mais populares e tomou mais forma e força nos subúrbios da Capital Federal.


Com o banimento das danças dos Caiapós – mistura de negros e índios que se manifestavam nas festividades religiosas e procissões coloniais, com danças e música cheias de percussão e coreografia elaborada – as camadas mais pobres da população buscaram alternativas novas criando formas de expressão como os Zé Pereira; os Cordões Carnavalescos que misturavam Maracatus, Afoxés, Fandangos, Cheganças e Cabocolinhos, espelhos das culturas africanas e indígenas no Brasil; os ranchos que vinham dos pastoris, taieiras baianos e os primeiros Blocos Carnavalescos que deram origem às Escolas de Samba.


Enquanto a elite se preocupava em contratar artesões, artistas e artífices de todas as modalidades para a construção de carros alegóricos, cada vez mais luxuosos e acompanharem seus desfiles e bailes com bandas militares, o povo se organizava através de experiências dos migrantes baianos, em ranchos e cordões que escolhiam um tema e organizavam todo o desfile adaptando figurino, ritmo e música à proposta escolhida.


A terceira e última fase que definem o Carnaval Popular, como é hoje conhecido, começa no final dos anos 20 com a ajuda dos meios de comunicação, principalmente o rádio que tira os ranchos e cordões dos subúrbios e trás à avenida a alegria e musicalidade dos Blocos Carnavalescos.


Na década de 30, a indústria fonográfica brasileira tirou o “malandro” do morro e transformou sua música em grande sucesso comercial.  Os moradores do Estácio e do Mangue foram para a avenida e deram um novo formato à festa de Momo, misturando as alegorias dos brancos com a sonoridade negra da música.  Com a evolução dos Blocos Carnavalescos, transformando-se em Escolas de Samba a exploração comercial da festa teve um impulso e a manifestação foi transformada em produto de consumo para todas as regiões brasileiras e para o público estrangeiro.


O preço pago por esta transformação, de certa maneira foi muito alto.  A espontaneidade do povo durante a festa lúdica foi sendo perdida aos poucos.  Exigências como só ter temas nacionais, seguir regulamentos criados pelo poder público, a competição por um lugar entre as “Campeãs” com a ameaça de rebaixamento de grupo, o uso de artigos cada vez mais suntuosos nas fantasias e carros alegóricos, além da contagem de tempo e do excesso de participantes das grandes Escolas de Samba, tornou o Carnaval um verdadeiro caça níqueis.


Com o Carnaval Paulistano não foi muito diferente.  Fugindo de suas origens, baseada nos cordões, adotamos o padrão carioca de desfile e incorporamos todas as regras e penalizações que regem este folguedo.  O sentido lúdico e de confraternização do princípio, cede lugar ao único objetivo de vencer a disputa pelo primeiro lugar e Ter direito à verba do Estado para o próximo ano.


Mas o outro lado da moeda também existe.  As Agremiações carnavalescas são hoje empresas com administrações próprias, geram lucros e até participam da vida social da região onde foram geradas, construindo creches, dando emprego a centenas de pessoas, participando do desenvolvimento sociocultural da comunidade.