segunda-feira, 26 de maio de 2008

Mais um artigo do pesquisador Tárik

Samba

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A música brasileira em sua essência

Gênero básico da MPB, o samba tem origem afro-baiana de tempero carioca. Ele nasceu nas casas das "tias" baianas da Praça Onze, no centro do Rio (com extensão à chamada "pequena África", da Pedra do Sal à Cidade Nova), descendente do lundu, nas festas dos terreiros entre umbigadas (semba) e pernadas de capoeira, marcado no pandeiro, prato-e-faca e na palma da mão. Embora antes de Pelo Telefone, assinada por Ernesto dos Santos, o Donga (com Mauro de Almeida) em 1917, outras gravações tenham sido registradas como samba, foi esta que fundou o gênero – apesar da autoria discutida e da proximidade com o aparentado maxixe. Também nesse estilo ambíguo são as principais composições de José Barbosa da Silva, o Sinhô, auto-intitulado "o rei do samba", que junto com Heitor dos Prazeres, Caninha e outros pioneiros estabelece os primeiros fundamentos do setor, que ganharia uma feição mais definitiva com a chamada "turma do Estácio".


Formada por Alcebíades Barcellos, o Bide, Armando Marçal, Newton Bastos e Ismael Silva e mais os malandros/sambistas Baiaco, Brancura, Mano Edgar, Mano Rubem (uma brodagem bem anterior aos manos do hip hop), essa corrente injeta uma cadência mais picotada no samba e tem o endosso de filhos da classe média como o ex-estudante de medicina Noel Rosa e o ex-estudante de direito Ary Barroso, que redimensionam o estilo através de obras memoráveis. Com a explosão da era do rádio a partir dos anos 30, o samba ganha enorme difusão através de cantores como Francisco Alves, Orlando Silva, Silvio Caldas, Mário Reis, Carmen Miranda - que consegue projetá-lo internacionalmente a partir do cinema - e mais adiante Dalva de Oliveira, Aracy de Almeida, Elizeth Cardoso, entre outros.


Novas adesões como a do refinado baiano Dorival Caymmi, além das harmonias elaboradas de Custódio Mesquita, o molejo de Pedro Caetano, o figurino tropicalista de Assis Valente, a sobriedade de Sinval Silva, o populismo luxuoso de Herivelto Martins e o sotaque interiorano arrastado de Ataulfo Alves conduzem o samba para outros caminhos já ao sabor da indústria musical. A ideologia do Estado Novo de Getúlio Vargas contamina o cenário e do malandro convertido (O Bonde São Januário, de Ataulfo e Wilson Batista) chega-se ao samba-exaltação cujo carro-chefe, Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, torna-se o primeiro hino brasileiro no exterior.


Reconhecimento


Empurrada pela especulação imobiliária, a Pequena África já se espalha por diversos morros e primitivas favelas de onde brotam novos bambas como Cartola, Carlos Cachaça e posteriormente Nelson Cavaquinho e Geraldo Pereira, na Mangueira, Paulo da Portela, Alcides Malandro Histórico, Manacé e Chico Santana, na Portela, Molequinho e Aniceto do Império Serrano, entre inúmeros outros. O samba ganha status de identidade nacional através do reconhecimento de intelectuais como Villa-Lobos, que organiza uma histórica gravação com o maestro erudito americano Leopold Stokowski no navio Uruguai, em 1940, de que participam Cartola, Donga, João da Baiana, Pixinguinha e Zé da Zilda.


Depois da fundação da Deixa Falar por Ismael em 1928, a partir da reunião de blocos do Estácio, o fenômeno das escolas de samba toma conta do cenário. E propulsiona subgêneros, do partido-alto cantado como desafio nos terreiros ao samba-enredo, trilha para desfile das agremiações. Iniciadas nos moldes dos ranchos, as escolas – Mangueira, Portela, Império e Salgueiro e depois Mocidade Independente, Beija-Flor e Imperatriz Leopoldinense – cresceriam até dominar o carnaval transformando-se em show bizz, com forte impacto no movimento turístico.


As concentrações urbanas que provocaram o aparecimento das primeiras danceterias populares, as gafieiras, também produzem seu estilo próprio, o samba-choro ou samba de gafieira, crivado de síncopas. Viceja ainda desde a década de 30, o samba de breque – com pausas preenchidas por falas – que consagraria o personagem malandro criado por Moreira da Silva e o samba canção, mais lento, a partir de Ai Ioiô (Linda flor) por Araci Cortes, em 1929, posteriormente influenciado pelo bolero com enredos sentimentais de que seria expoente o gaúcho Lupicínio Rodrigues. Em outras praças, como São Paulo, onde pontificaria o satírico Adoniran Barbosa, ou Bahia, terra dos enredos tristes de Batatinha, o samba incorporava sotaques regionais.


Após a Segunda Guerra, a influência cultural americana motiva o aparecimento da bossa nova, um modo diferente de dividir o fraseado do samba, agregando influências do impressionismo erudito e do jazz, inaugurado por João Gilberto, Tom Jobim e Vinicius de Moraes, após precursores como Johnny Alf, João Donato e músicos como Luís Bonfá e Garoto. O gênero teria toda uma geração de discípulos-cultores como Carlos Lyra, Roberto Menescal, Durval Ferreira e grupos como Tamba Trio, Bossa 3, Zimbo Trio e os pioneiros vocais Os Cariocas. Na mesma época um ramal popular turbinado conhecido por sambalanço projetava o teleco-teco de Elza Soares, Miltinho, Luis Bandeira, Ed Lincoln, Luis Antonio, Djalma Ferreira e vários. Dissidências internas na bossa geraram os afro-sambas de Baden Powell e Vinicius de Moraes. Além disso, parte do movimento (re)aproximou-se do samba tradicional, revalorizando sambistas ditos "de morro" como o portelense Zé Kéti, Cartola, Nelson Cavaquinho, Elton Medeiros e mais adiante Candeia, Monarco, Monsueto e o iniciante Paulinho da Viola.


O show Rosa de Ouro, do produtor Hermínio Bello de Carvalho, revela, além da dama do teatro de revista Araci Cortes, Clementina de Jesus, elo perdido das origens afro do samba. A exemplo de seu xará Paulo Benjamim de Oliveira da mesma escola Portela – que intermediou as relações do morro com a cidade quando o samba era perseguido – Paulinho da Viola, com sua pegada autoral mesclada ao choro, se transformaria num embaixador do gênero tradicional diante do público mais vanguardista, incluindo os tropicalistas. Também no interior da bossa apareceria um modificador do samba, Jorge Ben com seu estilo "misto de maracatu" e uma inclinação para o rhythm & blues americano, que mais adiante suscitaria o aparecimento de um subgênero apelidado suíngue.


Hora da revalorização


A princípio afastado do foco principal na era universitária dos festivais, o gênero teria sua revanche num certame específico, a Bienal do Samba e veria no final dos 60 o aparecimento do divisor de águas Martinho da Vila. Além de popularizar o partido-alto (Casa de Bamba, Pequeno Burguês), este fluminense de Duas Barras compactou o samba-enredo – forma consagrada por autores como Silas de Oliveira e Mano Décio da Viola – ampliando sua potencialidade no mercado. No começo dos 70, novo surto de revalorização do samba projetaria com altas vendagens três divas Alcione, Beth Carvalho e Clara Nunes, além do cantor Roberto Ribeiro e dos compositores João Nogueira, Nei Lopes e Wilson Moreira. Descendente dos estilos de violão de Gilberto Gil (que endereçou o petardo Aquele Abraço para a ditadura) , Baden Powell e Dorival Caymmi, João Bosco em dupla com o poeta Aldir Blanc, renovaria o samba tradicional (inclusive o de enredo), algo que Aldir continuaria a fazer com novos parceiros como Guinga e Moacyr Luz, na década de 90. Ainda no fim dos 70, Beth Carvalho começaria a freqüentar rodas de samba do bloco Cacique de Ramos, onde descobriria o emergente movimento do pagode, desvelado em seu disco De Pé no Chão, de 1978.


Este ramal do samba, movido a partido-alto, pontuado pelo banjo e pela percussão do tantan, seria uma resposta ao ocaso do samba no início dos 80 que obrigaria os participantes a reunirem-se em fundos de quintal para mostrar suas novas composições diante de uma platéia de vizinhos. Os primeiros discos solos desses pagodeiros saíram em plena redistribuição de renda do Plano Cruzado e projetaram de imediato as artes de Zeca Pagodinho (o único que se firmaria ao fim da onda inicial), Almir Guineto, Jovelina Pérola Negra e o Grupo Fundo de Quintal, que revelaria ainda a dupla Arlindo Cruz e Sombrinha. Também partideiro, o pernambucano Bezerra da Silva nesse mesmo período emplacaria seus sambandidos com enredos que documentam a guerra civil da sociedade partida.


O rótulo pagode seria usado também na década seguinte para denominar uma espécie de samba-pop inspirado na balada romântica que geraria – a partir do sucesso de grupos como o Raça Negra, Negritude Jr., Art Popular e Só Pra Contrariar – o aparecimento de um número incalculável de clones com diferentes graduações de proximidade com o samba de raiz. O tronco principal, no entanto, sobrevive alimentado pela revalorização de antigos bambas ainda em atividade como Nelson Sargento, Monarco, Noca da Portela, Wilson das Neves, Walter Alfaiate e as Velhas Guardas da Portela (vide o recente disco Tudo Azul produzido por Marisa Monte) e Mangueira, além do trabalho persistente de ativistas como Nei Lopes, Luis Carlos da Vila e Wilson Moreira.

Por Tárik de Souza em Clique Music UOL

terça-feira, 13 de maio de 2008

Reflexões sobre o Samba Paulista

A origem do samba em São Paulo é um fato que divide opiniões. Entre os que entendem do assunto, não há consenso. Por exemplo: o sambista Geraldo Filme teria afirmado que os sambas de roda realizados pelos negros em Pirapora do Bom Jesus, em 1808, seriam a semente do gênero por aqui – ao menos é disso que se orgulha a cidade no site oficial. Já o pesquisador musical Tadeu Augusto Matheus, conhecido no mundo do samba como T-Kaçula, do Projeto Cultural Samba Autêntico, também músico e compositor, diz que há registros de batucadas anteriores. “Festas feitas em Piracicaba e Capivari, nas senzalas, pelos negros que trabalhavam nas plantações de café em 1722”, garante. Tendo origem no século 16 ou 17, uma coisa é certa: samba é assunto de paulista há muito tempo. E não é que mesmo assim vem Vinicius de Moraes e chama São Paulo de túmulo do samba? No entanto, a frase – sem dúvida, de efeito –, não deve ser levada tão a ferro e fogo, afinal não se pode esquecer que seu constante parceiro, Toquinho, é paulistano do Bom Retiro, o que prova que o dito não passava de mais uma troça do poetinha (quem não se lembra de “as feias que me desculpem, mas beleza é fundamental”?). Além disso, não dá para dizer que uma cidade que deu ao samba nomes como Adoniran Barbosa, o já citado Geraldo Filme e ainda Paulo Vanzolini, Germano Mathias, Caco Velho, Jorge Costa, Hélio Sindô e Henricão – os três últimos, respectivamente, alagoano, gaúcho e cearense, mas radicados em São Paulo – seja cenário para a morte do batuque. O que ocorreu, isso sim, foi um descompasso na difusão das produções de Rio de Janeiro e São Paulo, o que levou a uma influência do primeiro sobre o segundo. Durante muito tempo, o samba paulistano ficou restrito a focos isolados, sobretudo aos cordões carnavalescos, enquanto no Rio o cenário era outro: a então capital do Brasil tinha na Rádio Nacional um forte instrumento para fazer ecoar por todo o país as vozes de Linda Batista, Donga (que teria gravado o primeiro samba da história, Pelo Telefone, em 1917), Orlando Silva e Carmen Miranda, entre outros. “O samba do Rio de Janeiro impregnou o Brasil inteiro”, conta Eduardo Gudin, referência do samba em São Paulo e diretor musical dos espetáculos que compuseram o evento Na Cadência Paulista do Samba, realizado no Sesc Vila Mariana no mês passado (Leia mais abaixo: Batuque Urbano). “A idéia de samba de Noel Rosa, Ismael Silva, Ari Barroso e Dalva de Oliveira – que tocavam no rádio – acabou se espalhando.” No entanto, Gudin ressalta que não há igualmente como negar os ótimos compositores paulistas que têm lugar marcado na história nacional do samba. “Tem Vadico, que compôs muitas músicas com Noel; Garoto, um marco da música brasileira moderna; Adoniran, que fez um samba impossível de fazer em outro lugar; e Germano Mathias, que faz um samba de malandro paulista e é um dos artistas mais bem resolvidos deste país.”

Esse passado sólido do samba de Sampa garantiu um presente profícuo. É só rodar pelos bares de bairros como a Vila Madalena, na Zona Oeste, e do Bixiga, na Região Central, para notar como o samba tem sido a trilha sonora de muitos boêmios até hoje – isso sem contar, é claro, com os movimentos de periferia, que, por sua vez, garantem a produção atual do gênero.

O início

Esse novo momento vivido pelo samba de São Paulo teve um marco em 1996, com a criação do projeto Mutirão do Samba, num botequim na Alameda Barão de Limeira, no Centro. Com base nele, por exemplo, foi criado o Samba da Vela (veja boxe Comunidades do Samba). “O Mutirão, na realidade, era uma reunião de amigos”, diz José Alfredo Gonçalves Miranda, o Paqüera, um dos fundadores tanto do Mutirão quanto do Samba da Vela. “Em 1982, entrei para a escola de samba Vai-Vai e lá consegui fazer alguns amigos que eram do mundo do samba. Um deles foi uma pessoa que era da [escola de samba] Nenê de Vila Matilde, o Douglas Germano, que morava no Centro, na Barão de Limeira, perto da Folha [isto é, perto do prédio do jornal Folha de S.Paulo]. Ali havia um boteco. A gente começou a se encontrar lá para tomar uma cervejinha e fizemos uma roda de samba maravilhosa. Era o auge do pagode comercial e a gente ficava cantando aqueles clássicos.” Os encontros, no entanto, não se limitavam a execuções saudosistas de sambas antigos. Os amigos ali reunidos, segundo Paqüera, refletiam sobre o samba, discutiam sua temática, avaliavam a ligação com o carnaval, e as diferenças entre a produção paulista e a carioca. “Foi aí que surgiu essa idéia do Mutirão do Samba, que começou em 1996 e terminou em 2000”, conta o sambista. “As pessoas que fizeram parte daquele núcleo começaram a entender a linguagem do samba”, afirma Magno Souza, integrante tanto do Samba da Vela quanto do Quinteto em Branco e Preto, um dos mais conhecidos grupos de samba de São Paulo hoje.

Onde está o samba

“Nunca se produziu tanto quanto hoje em São Paulo”, afirma Douglas Germano, que ajudou a formar o Mutirão do Samba e que compôs, junto com outros três parceiros, o Grupo Madrugada, reunido exclusivamente para o evento do Sesc. “A produção agora está fervendo, todo lugar a que você vai tem samba, as pessoas falam de samba. A minha música foi finalista do festival [Festival da Cultura 2005, promovido pela TV Cultura] e era um samba.” Para o jornalista e crítico musical Tárik de Souza, o samba paulista atualmente tem se beneficiado da saturação do chamado pagode comercial. “Sem dúvida, o que impulsiona também esse novo interesse é o aparecimento de eventos como o Samba da Vela, fenômeno típico da periferia paulista e que já gerou um disco, difundindo o trabalho de seus criadores”, explica. O jornalista credita também o novo fôlego do samba de São Paulo à consolidação de grupos como o Quinteto em Branco e Preto – “com repertório e estilo próprios”, diz – e à constante atividade de autores como Luizinho SP, “que leva a localidade no nome”.

Um dos endereços onde se pode conferir a atual boa forma do samba paulista está cravado bem no Centro da cidade, mais precisamente na Rua General Osório, que todo último sábado de cada mês muda de nome e vira a Rua do Samba Paulista – é a roda de samba, integrante do Projeto Cultural Samba Autêntico, que existe desde 2002 e chega a reunir mais de mil pessoas. “O evento destina-se ao resgate, promoção, divulgação e preservação do samba feito em São Paulo”, conta T-Kaçula, uma das cabeças à frente do projeto. “Ao longo de sua existência, amantes, pesquisadores, estudantes, apreciadores, sambistas e público em geral tiveram a oportunidade de se encontrar com músicos e compositores, com a velha e nova guarda do samba de São Paulo.”

Já na Zona Leste de São Paulo é o pessoal do Grêmio Recreativo de Tradição e Pesquisa Morro das Pedras, localizado entre as Ruas Morro das Pedras e Rodolfo Pirani, no bairro de São Mateus, o responsável pelas animadas rodas que atraem gente de toda a cidade. Lá, a exemplo dos outros projetos, o lema é samba no pé e a consciência da importância do gênero musical e do sentimento de coletividade. Tanto é assim que um dos muros da agremiação ostenta a ordem: Amor e Respeito à Velha Guarda.

Seus integrantes, ao dar entrevista, preferem não ser identificados, para “ressaltar o caráter coletivo da agremiação e impedir que a vaidade penetre nesse novo espaço”, segundo explicou o jornalista Thiago Mendonça, em reportagem publicada no jornal O Estado de S. Paulo em junho de 2001, dois meses depois da inauguração do movimento. Um dos porta-vozes do Morro das Pedras explicou ao repórter na época que a formação da agremiação tinha a ver com a decadência das escolas de samba, que “deixaram de valorizar seus músicos para prestigiar pessoas da elite, que não tinham nenhuma ligação com essa cultura e com sua população marginalizada”. Mesmo com a forte valorização do engajamento, que pode ser vista por alguns como radicalismo, todos são bem-vindos às rodas, que, além do samba, contam com outro combustível potente: o caldo de mocotó do “Tim Maia”, famoso dono de bar da região.

Veja mais abaixo os endereços quentes ou clique aqui para conhecer alguns projetos...


Reflorescimento
Entre os grupos que portam o estandarte do samba paulista, fazendo interessante intercâmbio entre os mestres do passado e os novos nomes, está o Inimigos do Batente – cujo nome é uma referência ao samba Inimigo do Batente, de Wilson Batista –, formado por Fernando Szegeri e Railídia Carvalho (voz), Edu Batata (cavaquinho), Geraldo Maracanã (violão), André “Sossega Leão” (pandeiro), Cebolinha (tantã), Kaká Sorriso (repique), Julio Velozzo (cuíca e agogô) e Paulinho Timor (percussão geral). O grupo se reúne semanalmente no bar Ó do Borogodó, na Vila Madalena, em Pinheiros, e atrai interessados no gênero. “São Paulo teve um reflorescimento, um renascimento do samba tradicional de alguns anos para cá, muito traduzido pela força desses projetos pela periferia da cidade, que foram retomando essa tradição das rodas de samba”, analisa Fernando Szegeri. “Nós, do Inimigos do Batente, por exemplo, aproveitamos esse renascimento da roda de samba para levar para os bares, para a noite paulista, esse lado descontraído, da empolgação, buscando sempre participação do público, resgatando também muitos dos instrumentos que já não são mais tão usados atualmente, como a frigideira, a faca e o garfo, os atabaques, a caixa de fósforo, o chocalho de lata de cerveja, essas coisas que fazem parte da roda de samba de fundo de quintal mesmo.”

Também com o intuito de resgatar o chamado samba de raiz, apresentando canções inéditas de grandes sambistas, além de interpretar canções já conhecidas, o grupo Parangolé – formado por Edu Batata (cavaco), Miró (percussão), Paula Sanches (vocal), Paulinho Timor (percussão) e Rodrigo Campos (violão) – teve mestres como os integrantes da Velha Guarda da Camisa Verde e Branco, e Osvaldinho da Cuíca. Sem, por isso, deixar de mostrar composições próprias. “O que se nota é que existe uma geração que vem resgatando as rodas sambas de Geraldo Filme, Adoniran, Germano Mathias e outros bambas da antiga, despertando assim um interesse maior pela história e trajetória do samba paulista”, observa Paula Sanches. “Hoje as pessoas procuram e notam, dão valor ao samba.”

Outro deles, mais conhecido do grande público, é o Quinteto em Branco e Preto, do qual fazem parte Everson Pessoa (violão e voz), Maurílio de Oliveira (cavaquinho e voz),Victor Pessoa (surdo e voz), Magno Souza (pandeiro e voz), Yvison Pessoa (percussão e voz). Formado em 1997 na Zona Sul de São Paulo, o objetivo era clássico: preservar o samba tradicional. Em 2000, o quinteto fez a primeira viagem internacional, dois shows realizados na África do Sul, acompanhado pela sambista carioca Beth Carvalho, madrinha do grupo. No mesmo ano saiu o primeiro CD, Riqueza do Brasil, com participação da própria Beth e mais Almir Guineto, Wilson das Neves, Mauro Diniz e Oswaldinho da Cuíca. Em agosto de 2003 saiu o segundo, Sentimento Popular. Hoje, os integrantes fazem parte também da Comunidade Samba da Vela. “Ficou uma lacuna aberta durante muito tempo no samba de São Paulo, desde a época de Adoniran”, afirma Magno Souza. “Uma lacuna que, a meu ver, o pagode, mais comercial, acabou ocupando. Mas hoje, muito em resposta a isso, o que estamos vendo é essa nova geração preocupada com a preservação, com o samba como cultura de um povo. O que fez com que muita gente voltasse à pesquisa novamente.” (Leia mais abaixo: Expressão da Periferia e Por Dentro da Batucada)

ENDEREÇOS QUENTES

Rua do Samba Paulista (realização do Projeto Cultural Samba Autêntico, da União de Negros pela Igualdade – Unegro/SP – e Assessoria para Gênero e Etnia, da Secretaria de Cultura do Estado) – Todo último sábado de cada mês. Rua General Osório - Centro

Projeto Nosso Samba – As rodas acontecem quinzenalmente, aos domingos à tarde, na Casa de Cultura Afro-Brasileira Casa de Angola, junto ao Centro de Eventos Pedro Bertolozzo, na Avenida Visconde de Nova Granada, 11 - Osasco

Comunidade Samba da Vela – As rodas acontecem as segundas, à noite, na Casa de Cultura Santo Amaro, Pça. Francisco Ferreira Lopes, 434 - Santo Amaro

Grêmio Recreativo de Tradição e Pesquisa Morro das Pedras – Quinzenalmente, aos domingos à tarde. Rua Morro das Pedras, 973 - Jardim Rodolfo Pirani | São Mateus

Ó do Borogodó – De terça a domingo. Rua Horácio Lane, 21 – Pinheiros

Bar Samba – Diariamente. Rua Fidalga, 308 - Vila Madalena

Villagio Café – Diariamente. Praça Don Orione, 298 – Bixiga

Magnólia Villa Bar – De terça a domingo. Rua Marco Aurélio, 883 - Vila Romana


Batuque urbano

Evento do Sesc Vila Mariana celebrou a tradição e a atual produção do samba paulista


O projeto Na Cadência do Samba Paulista, realizado no final de janeiro no Sesc Vila Mariana, traçou, por meio de shows, exposição e bate-papos com críticos musicais, um panorama da história e evolução do samba de São Paulo, desde a obra dos grandes compositores tradicionais até a nova geração de intérpretes e grupos. De 25 a 29 de janeiro, o público pôde conferir performances de alguns grupos e núcleos responsáveis pelo que de mais novo se tem feito em matéria de samba em São Paulo. Participaram Comunidade Samba da Vela – que lançou CD homônimo no primeiro dia do evento –, Projeto Cultural Samba Autêntico, e ainda Quinteto em Branco e Preto, Grupo Madrugada, Inimigos do Batente e Parangolé. Entre os intérpretes, nomes consagrados, como Maria Alcina e Jair Rodrigues, e novos talentos, como Fabiana Cozza. “O Sesc é uma força muito importante de resistência da cultura popular”, afirma Fernando Szegeri, vocalista do Inimigos do Batente. “Especialmente para o samba, o Sesc sempre teve uma força e um papel fundamental.” Para Douglas Germano, do Grupo Madrugada, o evento é o tipo de oportunidade que o sambista espera. “Principalmente porque o espetáculo tem um contexto específico. E chegar e se apresentar no Sesc significa que você vai ter um som legal, vai ter luz, cuidado, isso é uma maravilha.”

Além dos shows, uma exposição de fotos trouxe cenas de bairros da cidade celebrados por composições clássicas de Adoniran Barbosa e Paulo Vanzolini. As imagens antigas apareceram acompanhadas de registros atuais das localidades para mostrar ao visitante as transformações que aconteceram nesses locais. Já nos bate-papos, os jornalistas Tárik de Souza e Mauro Dias conversaram com os interessados sobre as particularidades e a história do gênero em São Paulo. “A idéia era mesmo dar um panorama breve do samba paulista, que é muito mais rico e diversificado do que se costuma imaginar”, afirmou Tárik.

Expressão da Periferia

Espalhados por regiões distantes do centro, os projetos e redutos de samba formam o novo cenário em São Paulo. Em sua canção O Cúmulo do Samba (1997), o cantor e compositor paulistano Carlinhos Vergueiro deu o tom: “O samba também nasce aqui/O samba também mora aqui/Em toda a periferia”. E, de fato, a história se repete. Assim como no início, quando o batuque se fez ouvir nos barracões distantes do Centro, hoje, uma produção de samba genuína e consistente vem da periferia. A Vila Madalena, na Zona Oeste da capital, pode reunir alguns dos mais badalados bares de samba da cidade – alguns deles já tradicionais, como o Ó do Borogodó e o Bar Samba –, enquanto o Bixiga marca presença forte com as rodas montadas nos botequins da Praça Don Orione. Mas é em bairros longe do Centro, como São Mateus (Zona Leste) e Santo Amaro (Zona Sul), ou ainda em municípios da Grande São Paulo, mais especificamente em Osasco, que músicos, compositores e intérpretes se reúnem para dar continuidade à história do chamado samba de raiz.

Entre esses núcleos de resistência do samba paulista, um dos mais expressivos é, sem dúvida, a Comunidade Samba da Vela, movimento do bairro de Santo Amaro. Se não o mais importante, certamente o mais conhecido. É nele que as rodas duram o tempo que uma vela leva para queimar – daí o nome. A idéia nasceu simplesmente para não deixar que os mais empolgados varassem toda a madrugada no batuque. “A gente precisava de um jeito para marcar o tempo”, conta José Alfredo Gonçalves Miranda, o Paqüera, um dos fundadores do movimento. “Pensamos num despertador, mas todo mundo é traumatizado com aquele bip-bip que faz a gente acordar de manhã. Daí pensamos num galo, porque um amigo nosso tinha um galo que cantava de hora em hora. Mas e quando o galo morresse? A gente ia ficar dependente do galo? Não dava... Foi aí que eu tive a idéia da vela. Também porque existe todo um simbolismo religioso e tal.” Nas rodas do Samba da Vela todo mundo pode cantar suas composições. Quem se interessar, mostra a canção para uma equipe de avaliadores numa noite iluminada pela chama de uma vela rosa, que indica que o compositor está “em teste”. Se o samba convencer os bambas, entra para um caderninho e volta na semana seguinte para ser executado na noite da vela azul. Novo teste. E, se o samba for bom mesmo, é consagrado de vez na roda da vela branca. “É uma emoção danada”, conta Paqüera. “Tem gente que até chora.”

Já, em Osasco, o Projeto Nosso Samba (foto) vem, há sete anos, firme no objetivo de valorizar o samba dos novos talentos longe da grande mídia, todos compositores da comunidade. “Antes dávamos valor principalmente para as composições que chegavam do Rio”, conta Fábio Rodrigues Goulart, um dos fundadores do projeto. “Por isso, a intenção era ter esse contato, e trocar músicas, um compositor mostrar seu trabalho para o outro, enfim, fazer essa divulgação.” Entre as bandeiras dos osasquenses está a defesa de que o samba não é somente um gênero musical, mas sim uma cultura, com códigos e condutas que regem a vida dos integrantes da comunidade. “Cantar samba de raiz qualquer um canta”, afirma o sambista. “Mas nós começamos a entender que o samba não se resumia a isso. Samba é um estilo de vida, faz parte do meio de vida de uma sociedade, o samba é cultura.” A exemplo das demais rodas de samba, a do pessoal de Osasco é receptiva a todos os que quiserem conhecer um pouco mais o trabalho da comunidade e conferir sua música. Quanto aos planos de gravar, a postura é rígida. “Não nos interessa gravar um CD para nos divulgar; se gravássemos seria mais para efeito de registro da nossa produção”, explica Marcelo Benedito, também integrante do Nosso Samba. “Além disso, ficaria muito fácil para as pessoas, elas não precisariam mais vir ao reduto para ouvir nosso samba, quando o legal é vir até aqui e conhecer nossa proposta”, sentencia Fábio Goulart.

Com um caráter mais ligado à pesquisa das origens do samba paulista, o Projeto Cultural Samba Autêntico foi criado em 1999 reunindo pesquisadores, músicos e compositores que uma vez por mês comandam a cantoria na Rua do Samba Paulista, a Rua General Osório, no Centro de São Paulo. “Em 1999, surgiu a necessidade de pesquisar e entender um pouco mais a grandeza do samba de São Paulo e a importância de sua história”, explica Tadeu Augusto Matheus, o T-Kaçula. “Antes disso, a gente sempre cantava sambas de Nelson Rufino e Batatinha, que são da Bahia, do Zé do Maranhão, Paulo da Portela, Heitor dos Prazeres, Cartola, Noel Rosa, Candeia etc. E de São Paulo a gente cantava muito pouco, acabava ficando com Geraldo Filme, Paulo Vanzolini, Eduardo Gudin, alguma coisa de Adoniran Barbosa, e aí a gente sentiu a necessidade de conhecer a árvore genealógica do samba de São Paulo.”

Por dentro da batucada

Pagode – Tem um ritmo repetitivo e utiliza instrumentos de percussão e sons eletrônicos. Espalhou-se rapidamente pelo Brasil, graças às letras simples e românticas. Entre os grupos mais conhecidos estão Fundo de Quintal, Negritude Jr., Só Pra Contrariar, Katinguelê e Art Popular. (mesmo com o termo “pagode” tendo sido criado pra falar de outro tipo de música)

Samba-exaltação – Tem letras patrióticas e ressaltando as maravilhas do Brasil, com acompanhamento de orquestra. Um dos maiores exemplos do estilo é Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, gravada em 1939 por Francisco Alves.

Samba de partido-alto – Com letras improvisadas, fala sobre a realidade dos morros e das regiões mais carentes. É o estilo dos grandes mestres do samba. Os compositores de partido-alto mais conhecidos são Aniceto, Martinho da Vila, Arlindo Cruz, Almir Guineto e Zeca Pagodinho.

Samba-enredo – Está ligado ao assunto que a escola de samba escolhe para o desfile do ano. Geralmente segue temas sociais ou culturais. É ele que define toda a coreografia e cenografia utilizadas na exibição da escola de samba.

Samba de breque – Esse estilo tem momentos de paradas rápidas, nas quais o cantor pode incluir comentários, muitos deles em tom crítico ou humorístico. Seus mestres são Moreira da Silva e Jorge Veiga.

Retirado da Revista E n°105 do SESC – www.sescsp.org.br