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Leila Pinheiro se apresenta com o compositor a partir de hoje na Liberdade e Dona Inah lança CD com show na Pompéia
Lauro Lisboa Garcia
Na opinião de um de seus principais parceiros, o letrista, poeta e também compositor Paulo César Pinheiro, Eduardo Gudin é "um dos maiores representantes do samba de sua terra nativa, a boêmia São Paulo". Duas cantoras, a paulista Dona Inah e a paraense Leila Pinheiro (radicada no Rio), concordam com ele e se debruçaram sobre a rica obra de Gudin, evidenciando, no caso de Leila, que seu cancioneiro evolui para além do samba. Ela divide o palco com o compositor em três noites de hoje a domingo no Teatro Fecap. Na quinta-feira que vem, Dona Inah faz uma grande festa de lançamento do CD Olha Quem Chega na choperia do Sesc Pompéia.
Ouça trecho de Olha Quem Chega
Os shows de Leila e Gudin seriam também para lançar o CD, gravado no mesmo Teatro Fecap, que não ficou pronto a tempo. Então, a cantora decidiu colocá-lo na rua só em março ou abril de 2009. "Não queria fazer nada apressado", diz. De qualquer maneira, este show é o mesmo do CD, que é o primeiro a sair pelo selo da cantora, tem algumas das obras-primas mais famosas de Gudin e parceiros - como Mordaça, Chorei, Paulista, Velho Ateu e Maior É Deus -, outras menos conhecidas, como Pra Iluminar, e a inédita O Amor Veio me Visitar (parceria com Roberto Riberti).
Leila tem conexões fortes com a música de Gudin desde 1985. Foi a partir da classificação de Verde (dele e Costa Netto) defendida por ela no Festival dos Festivais, da TV Globo, que a cantora se projetou nacionalmente. Ela, que até então tinha lançado um disco independente, lembra que nos bastidores do festival conheceu Roberto Menescal, que a levou para a gravadora Polygram (hoje Universal). Lá estreou com Olho Nu, que incluía Verde e canções de Caetano Veloso, Gilberto Gil, João Donato, Cazuza. No álbum seguinte, Alma, de 1988, Gudin compareceu com Pra Iluminar, feita especialmente para ela, e Estrela do Norte.
"Fico imensamente feliz em poder pegar esse trabalho e jogar um pouco mais pro mundo, fora o que já levo cantando Verde aonde vou, porque sinto a obra do Gudin muito localizada em São Paulo. E ele é grandioso, é um compositor que não deixa a desejar a um Paulinho da Viola, a um Nelson Cavaquinho, que são mestres dele e se tornaram parceiros", observa a cantora. Gudin retribui à altura. "Leila é impressionante, sempre a achei uma das maiores cantoras do Brasil e é uma das pessoas que mais entendem meu trabalho. Temos uma afinidade muito grande desde Verde, mas também por causa da nossa relação com a bossa nova."
Gudin fez os arranjos e toca violão no show, além de cantar uma das 19 canções do roteiro. Leila se encarrega das demais, afinal, como diz o parceiro, é quem tem "o dom da voz". O compositor também evidencia no show seu dom de grande violonista. Entre seus acompanhantes estão feras como Fábio Torres (piano), Zeca Assumpção (baixo), Luiz Guello (percussão) e Edu Ribeiro (bateria).
Em relação ao segundo CD de Dona Inah, Gudin manteve uma certa distância. "Queria que ela fizesse do jeito dela. Só ouvi quando estava pronto e achei muito legal. Fiquei muito honrado", diz o compositor, que assina o arranjo de uma faixa, Ainda Mais (parceria com Paulinho da Viola). O repertório tem clássicos como E lá Se Vão Meus Anéis, Veneno, Velho Ateu, Verde, Maior É Deus e outros sambas menos conhecidos, como Santo Dia e Violão Gentil.
Seis das 18 faixas do CD de Dona Inah coincidem com o de Leila e oito são parcerias de Gudin com Paulo César Pinheiro. Olha Quem Chega, que abre o CD e foi gravada por Elizeth Cardoso, foi a primeira da dupla. Nas demais, há sambas que compôs sozinho e outros em parceria com Paulo Vanzolini, Paulinho da Viola, Roberto Riberti, Nelson Cavaquinho, Mauro Duarte, Costa Netto e Dino Galvão Bueno.
Além do grupo Samba Novo, que sempre acompanha Dona Inah, ela conta com participações do Quinteto em Branco e Preto, de Osvaldinho da Cuíca, Zé da Velha (trombone), Silvério Pontes (trompete), do cantor João Borba (em Violão Gentil) e do violonista Alessandro Penezzi, entre outros. A maioria deles participa do show no dia 30.
"Admiro muito Gudin, é um grande compositor, grande amigo. Confesso que até um tempo atrás não conhecia muito o repertório dele. Nos shows, cantava algumas músicas como Veneno e Mente sem saber que eram dele. Quando soube de quem era, comecei a me interessar mais e resolvi fazer esta singela homenagem", diz Dona Inah, de 73 anos. Ela diz que bancou a produção do disco do próprio bolso (a distribuição é da Dabliú) e contou com a colaboração dos músicos, que tocaram praticamente de graça. "Todos me ajudaram para conseguir fazer o que eu tinha vontade."
Em texto publicado no encarte do CD, Paulo César Pinheiro ressalta o bom gosto, o canto "puro, primitivo, sem pretensão de mostrar virtuosismos" da "cantadeira realmente popular", que "tem a voz das amas-de-leite do tempo do cativeiro, das lavadeiras de beira-rio, das crooners enfumaçadas dos cabarés antigos, das pastoras das primeiras escolas de samba".
Para Gudin, o canto de Dona Inah não tem nada de primitivo. "Ela é demais, afinadíssima, espontânea." Sua voz envolvente vem sendo lapidada em programas de rádio e nos bailes da vida desde os anos 50, quando ela iniciou a carreira ainda em Araras, no interior de São Paulo, onde nasceu. Em 1960 gravou seu primeiro 78RPM, e a partir dos anos 70 limitou-se às rodas de samba nas noites paulistanas. Até que em 2002 sua carreira ganhou novo ânimo ao participar do musical Rainha Quelé, em homenagem a Clementina de Jesus, ao lado de Marília Medalha e Fabiana Cozza.
Veio então a oportunidade de gravar o primeiro CD, Divino Samba Meu, em 2004, e tudo se transformou. Hoje ela vive feliz "no meio da molecada", seja em noitadas no bar Ó do Borogodó, em Pinheiros, toda terça-feira, ou na realização de shows e CDs. Thiago França, responsável pela produção, direção musical e arranjos de nove faixas de Olha Quem Chega, por exemplo, tem 27 anos. "Adoro todos eles, tem muita gente nova fazendo samba bom. Falamos a mesma língua, não tem diferença de idade."
Serviço
Leila Pinheiro e Eduardo Gudin. Teatro Fecap (400 lug.). Avenida Liberdade, 532, 3188-4149. Hoje e amanhã, 21 h; domingo, 19 h. R$ 30
D. Inah. Sesc Pompéia - Choperia (800 lug.). Rua Clélia, 93, 3871-7700. 5.ª (dia 30), 21 h. R$ 4 a R$ 16