terça-feira, 14 de abril de 2009

Força das comunidades mantém carnaval espontâneo na periferia de São Paulo






Antonio Carlos Quinto / Agência USP


Diferente dos grandes espetáculos que são exibidos na TV, o carnaval paulistano da periferia ainda mantém a espontaneidade e maior participação do público que o assiste. “Além disso, sem grandes recursos, as escolas de samba da periferia da cidade sobrevivem quase que exclusivamente do esforço de seus componentes, a maioria da própria comunidade”, avalia Nanci Frangiotti, que realizou o estudo O espaço do carnaval na periferia da Cidade de São Paulo, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. 

Administradora de empresa por formação, Nanci resolveu estudar o carnaval após ter trabalhado no Parque Anhembi, empresa da São Paulo Turismo responsável pela organização da festa no sambódromo de São Paulo, e por participações em projetos na União das Escolas de Samba Paulistanas (UESP). “Enquanto a Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo organiza o carnaval das escolas maiores, as do grupo principal, a UESP é responsável pelos desfiles nos bairros com os grupos das escolas menores”, explica. 

O objeto de estudo da pesquisadora foi a Escola de Samba Valença Perus, localizada no bairro de Perus, na Zona Norte da cidade. “As escolas menores devem ter um número médio de 500 componentes”, lembra Nanci. Mesmo com um número reduzido de pessoas em relação às grandes escolas de samba, a pesquisadora destaca a união da comunidade em torno da realização do carnaval. Ela acompanhou toda a organização da Valença Perus no ano de 2005. No anos seguinte, em 2006, a agremiação desfilou no organizado pela UESP. 

“Enquanto nas escolas de samba maiores muitas pessoas são contratadas para idealizar e fazer o carnaval e existem patrocínios, nas escolas da periferia a participação popular é intensa. Não há contratação de costureiras, serralheiros e artistas plásticos, entre outros. Em geral, apenas o carnavalesco é contratado”, descreve. Nanci lembra que os baixos recursos destas entidades fizeram com que as comunidades aprendessem a reciclar os mais diversos materiais. “Incrível o que conseguem fazer com tampinhas de garrafa. Até lantejoulas!.” Todo o esforço da comunidade é recompensado posteriormente com a distribuição gratuita das fantasias. “Nas grandes agremiações, as fantasias têm de ser compradas pelos componentes”, ressalta Nanci, lembrando que somente os ‘destaques’ custeiam suas próprias fantasias. 

Espaço socializador 
A força da comunidade torna a escola de samba da periferia um espaço socializador de diversas atividades. “Ali se reúnem as famílias com suas crianças e existe uma constante troca de informações, desde uma indicação a um emprego até uma simples recita culinária entre as mulheres”, conta.

E é justamente esse espaço socializador que Nanci considera que poderia ser melhor aproveitado pelo poder público. “Ao contrário do que muitas pessoas podem imaginar, a violência registrada na periferia não atinge estes espaços. Há todo um código moral nas quadras das escolas, de maneira geral. Chegam a proibir consumo de drogas, por exemplo, e mesmo no entorno desses locais há o respeito da população”, destaca. “Ao invés de contruir novos espaços para atividades das mais diversas, a administração pública poderia entrar em acordo com estas comunidades e aproveitar estes espaços.” 

Samba no autódromo 
As escolas de samba da periferia realizam seus desfiles em alguns bairros da Capital, como na Vila Esperança, na Zona Leste, Butantã, na Oeste, e Interlagos, na Zona Sul. Neste último bairro, a pesquisadora chegou a se surpreender com a participação popular. “Quando ouvi dizer que o desfile deveria ser no autódromo de Interlagos, a primeira reação foi de espanto em ver a realização do carnaval num espaço tão distinto”, conta. Mas para minha surpresa, foi uma festa excelente e com grande participação do público nas arquibancadas do circuito.” 

Nanci diz que a participação do público é direta, justamente por não haver nos desfiles dos bairros estruturas tão rígidas como as que existem no espaço do sambódromo. “As pessoas ficam mais próximas, participam mais e se divertem mais”, avalia.

Segundo a pesquisadora, já é tradição da Valença de Perus desfilar pelo bairro na terça-feira de carnaval. Ela conta que o desfile acontece de forma que o público acaba participando integralmente da escola. “Numa das manifestações que acompanhei milhares de pessoas acompanharam o desfile numa grande festa”, lembra Nanci. Nos bairros, os regulamentos dos desfiles são praticamente os mesmos, mas segundo a pesquisadora, a escola por ter menos recursos não faz um carnaval tão vertical como acontece no desfile principal, com grandes carros alegóricos. “A diferença é que as escolas principais acabam sendo um produto de mídia, enquanto na periferia podemos dizer que ainda há o carnaval solidário e de maior participação popular.” A dissertação de mestrado de Nanci foi apresentada na FFLCH em agosto de 2007, sob orientação da professora Glória Alves.

Mais informações: (11) 9996-7283, com Nanci Frangiotti; e-mailnancifra@terra.com.br