terça-feira, 10 de março de 2009

Dez Discos do Samba Paulista

Retirado da Revista ZINGU

Por Matheus Trunk


“São Paulo, tu és o meu amor
Ontem tinha bonde
Hoje tem metrô”


(trecho da canção São Paulo e Seus Poetas de Astrogildo Silva e Marques Filho gravado originalmente por Noite Ilustrada no discoSamba Sem Hora Marcada de 1974 pela Continental Discos)


Aqui uma pequena seleção de dez grandes artistas da música popular que tiveram a “paulicéia desvairada” como palco de suas vidas e obras. Preferi não incluir compositores consagrados nos meios intelectuais e acadêmicos como Adoniran Barbosa e Paulo Vanzolini para falar sobre personagens mais esquecidos.

Mauricy Moura - Roteiro Noturno - Continental (1955)
Além do samba tradicional, as noites da capital paulista foram palco de grandes intérpretes de seresta, valsa e samba-canção. Durante muitos anos, a voz aveludada de Mauricy Moura (1926-1976) foi referência nesses gêneros. Apesar de ser um extraordinário artista, Mauricy tinha uma personalidade muito forte. Talvez por isso, gravou somente dois discos: Coquetel da Vida e este Roteiro Noturno. Neste trabalho, demonstra um pleno domínio de um repertório bastante sofisticado de compositores como Orestes Barbosa, Wilson Batista, Lupicínio Rodrigues e principalmente de seu ídolo Sílvio Caldas.




Germano Mathias - Ginga no Asfalto - Odeon 
(1962)
Mandusca, Barra Funda, Catedrático do Samba e Marlon Brando do Pari são apenas alguns dos apelidos de Germano Mathias. Com uma carreira artística de 55 anos, o sambista paulista gravou diversos discos e fez um enorme sucesso. Um de seus melhores discos é este Ginga no Asfalto, gravado no auge de sua carreira pela Odeon. A capa já fala por si: de terno azul claro e sapato branco, o malandro paulistano desfila pelo centro da cidade. Neste disco, Germano consegue elevar o samba sincopado a patrimônio cultural em canções que colam no ouvido como Maria EspingardinaMulher Por AcasoBaile do Risca FacaLar Sem Pão e Requebrado Diferente. Obra-prima indispensável em qualquer coleção de discos de samba.


Jorge Costa - Samba Sem Mentira - Copacabana (1968)
Inexplicavelmente, o alagoano Jorge Costa (1922-1995) permanece esquecido. Extremamente talentoso, suas canções eram disputadas por artistas como Germano Mathias, Noite Ilustrada, Jair Rodrigues, Ângela Maria e até mesmo Nelson Gonçalves. A noite de São Paulo era seu habitat natural. Segundo a contracapa do disco, Jorge sempre era achado nas “boates e inferninhos paulistas”. O forte deste genial compositor eram os sambas sincopados como CastigueiFalso Rebolado e Baile do Risca-Faca. Como cantor, Jorge gravou dois raros LPs: este Samba Sem Mentira (1968) e Jorge Costa e Seus Sambas (1973). Samba Sem Mentira reúne canções sobre questão social (Inferno Colorido e Maria Simplicidade), dor-de-cotovelo (Não Me InteressaBandeira da Paz e Chave do Coração, esta última em parceria com José Domingos), candomblé (Tamborete da Vovó) e uma verdadeira obra-prima da canção popular (Triste Madrugada).

Nerino Silva - Deixe Comigo - RCA Victor (1968)
Sambista radicado na paulicéia bastante conhecido nos anos 50 e 60. Seu maior sucesso foi a canção bem-humorada Minha Sogra. Chegou a participar ao lado de Germano Mathias em uma cena do filme O Preço da Vitória (1959) de Oswaldo Sampaio. Infelizmente, Nerino gravou pouco e praticamente não existem informações sobre sua carreira. Seu álbum mais conhecido é este Deixe Comigo gravado na major RCA Victor em 1968, com uma capa psicodélica. No repertório, canções de Zé Kéti (Amor de Carnaval), Lupicínio Rodrigues (Dona Divergência) e Gordurinha (Súplica Cearense).





Noite Ilustrada - Não Me Deixe Só - Continental (1978)
Mário de Souza Marques Filho (1928-2003) é um dos maiores cantores da história da música brasileira. Com o pseudônimo de Noite Ilustrada, ele se tornou o imperador das noites paulistanas. Ele era o rei das boates Meninão, Jogral, Pierrot, Lé-Bar-Bar, Kings Bar e Capitan´s Bar. Seu nome era sinônimo de grandes apresentações, profissionalismo e de sambas bem cantados. Difícil é escolher um único disco deste grande mago da canção. Selecionei o emocionante Não Me Deixe Só, lançado originalmente em 1978 pela gravadora Continental. No lado A, Noite fala sobre a questão social (As Flores do Mal), regrava um sucesso do passado (Idade de Fazer Bobagem), comenta os imprevistos da vida (Atalhos) e homenageia o mestre Ataulfo Alves (Homenagem). No lado B, faz dueto com Hebe Camargo para homenagear a amiga Isaurinha Garcia (no pot-porri Mensagem e A Outra Mensagem), faz referência a uma casa de boas moças do Nordeste (Dona Maria Boa) e fala sobre a solidão (Não Me Deixe Só e Ai! Que Saudades da Casa Amarela).

José Domingos - Quando Eu Me Chamar Saudade - Chantecler (1979)
Cantor de grande talento, José Domingos sempre recebeu pouco reconhecimento pela crítica especializada.Quando Eu Me Chamar Saudade é seu segundo LP que contou com produção de Luiz Mocarzel e arranjos do maestro Aluísio Pontes. Além de conter músicas próprias do cantor (como Mais Uma Vez AdeusQuem Sabe de MimGarrafa Vazia e Chave do Coração, esta última em parceria com Jorge Costa) este belo disco contém sambas de compositores consagrados como Ataulfo Alves (Caminhando), Paulo Vanzolini (Praça Clóvis e Ronda), Dora Lopes (Pedra Noventa) e Nelson Cavaquinho (Quando Eu Me Chamar Saudade). Este trabalho de José Domingos é um passeio pelas boates e bares da São Paulo dos anos 60 e 70. Absolutamente imperdível.

Geraldo Filme - Geraldo Filme - Estúdio Eldorado (1980) 

A importância de Geraldo Filme (1928-1995) para o samba de São Paulo é semelhante a importância de Cartola para o samba do Rio de Janeiro. Amigo de personalidades como o poeta Solano Trindade e o dramaturgo Plínio Marcos, Geraldão da Barra Funda sempre foi um líder entre os bambas da paulicéia. Sua paixão pela Vai-Vai está eternizada em dois verdadeiros hinos da escola como Tradição e Silêncio no Bexiga, ambas presentes neste disco. Outras grandes canções do LP: História da CapoeiraVai Cuidar da Sua Vida e Reencarnação. Uma pena que um monstro sagrado da música brasileira como Geraldo Filme tenha gravado tão pouco.



Kazinho - O Samba Como Ele É - Popular Brazil (19??)
O paraense Oscar Azevedo dos Santos, o Kazinho é um dos grandes compositores do samba paulistano. Durante muitos anos, ele fez canções para nomes como Ciro Monteiro, Demônios da Garoa, Germano Mathias, Noite Ilustrada e Ari Lobo. Infelizmente, a vida e a obra deste verdadeiro Nelson Cavaquinho do Itaim Paulista permanece esquecida. Pouca gente sabe, mas ele gravou um raríssimo e belo LP com seus maiores sucessos. Além das divertidas Estou a Zero e Deu a Louca na Nega, Kazinho relembra sua terra natal em Saudade do Pará e reclama dos amores mal resolvidos em obras-primas como Meu Tipo, Meu Viver e especialmente Eu e a Saudade Pela Rua. Na edição original, não consta a data de lançamento do disco.


Osvaldinho da Cuíca - Osvaldinho da Cuíca Convida Em Referência ao Samba Paulistano - Rio 8 Fonográfico (2006)
Belíssimo trabalho do “embaixador do samba paulista” Osvaldinho da Cuíca. Este CD contém somente canções de sua autoria. Para este trabalho, ele contou com a participação especial de artistas como Demônios da Garoa, Jair Rodrigues, Aldo Bueno, Elizeth Rosa, Dedé Paraízo, Quinteto em Preto e Branco e Thobias da Vai Vai. Destacam-se do excelente repertório músicas como Minha VizinhaDitado Antigo,Barra Funda e Hino da Velha Guarda.





Velha Guarda do G.R.C.E.S. Unidos do Peruche - Memória do Samba Paulista - Sambatá (2008)
Com caprichada produção de T. Kaçula e Renato Dias, Memória do Samba Paulista é o primeiro registro em CD da Velha Guarda da Unidos da Peruche. Contando com canções de bambas como Geraldo Filme e Carlão do Peruche, o repertório demonstra que dentro das escolas paulistanas existem grandes e esquecidos compositores. No Rio de Janeiro, velhas-guardas de inúmeras escolas de samba mereceram diversos álbuns. Em São Paulo, a maioria das escolas paulistanas não ganharam nenhum registro sonoro.

Bibliografia utilizada:

Contracapas de discos e filmes:

- Contracapa do disco Samba Sem Mentira de Jorge Costa, Copacabana Discos, 1968.

- Contracapa do disco Quando Eu Me Chamar Saudade de José Domingos, Chantecler, 1979.

- Documentário Geraldo Filme de Carlos Cortez (1998)

- DVD Ginga no Asfalto de Germano Mathias- Lua Discos (2008)

Livros:

- ANTÔNIO, João. Abraçado ao Meu Rancor. São Paulo: Cosac & Naïfy, 2006.

- BORELLI, Hélvio. Noites Paulistanas: Histórias e Revelações Musicais das Décadas de 50 e 60. São Paulo: Arte & Ciência, 2005.

- JOANIDES, Hiroito. Boca do Lixo. São Paulo: Edições Populares, 1978.

- MACIEL, Paulo Viana. Noite Ilustrada: de Pirapetinga Para o Brasil. São Paulo: Milesi, 1980.

- RAMOS, Caio Silveira. Sambaexplícito: As Vidas Desvairadas de Germano Mathias. São Paulo: A Girafa, 2008.